sábado, 3 de janeiro de 2015

O psicodrama e a cultura dos medicamentos

Psiquiatra alerta para a banalização dos ansiolíticos e antidepressivos 
André Moraes
andre.moraes@jcruzeiro.com.br

"Vivemos na cultura do medicamento, do Rivotril". Essa frase define bem o teor da palestra ministrada pelo médico psiquiatra Paulo José Moraes no final de dezembro, em meio às atividades do projeto Tarja Branca, do Sesc Sorocaba. As palavras foram utilizadas para mostrar uma realidade que ocorre no Brasil, que se destaca como um dos países em que a população mais usa remédios tranquilizantes, como os ansiolíticos. Uma pesquisa realizada em 2013, pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor do Brasil, mostra que 45% dos brasileiros já utilizaram esse tipo de medicamento. O Rivotril se destaca entre eles, sendo que é mais comumente receitado para casos de ansiedade e depressão.

Para o psiquiatra, essa realidade assusta. Ele criticou bastante a classe médica, mesmo fazendo parte dela, por receitar o Rivotril, especificamente, para tudo. Paulo até chegou a brincar sobre o medicamento. "A bula do Rivotril vai daqui até Itapetininga e volta. Hoje o remédio é receitado para tudo, até para cólica".

O psiquiatra relata que o Rivotril, nome popular para o medicamento Clonazepam, foi feito, inicialmente, para tratamento de pessoas com epilepsia. Por isso, no meio da palestra, ele perguntou quantas pessoas já tomaram o remédio. Cinco pessoas levantaram a mão e então ele questionou para cada uma delas quantos ataques epilépticos elas já tiveram. "Nenhum" foi a resposta de todos. Então, Paulo veio com a informação de que o medicamento seria indicado para esses casos, porém agora, por ele ser tranquilizante, muitos médicos acabam indicando o remédio para muitas coisas. Inclusive para tristeza, que ele diz ser algo natural do ser humano. "Hoje parece que ninguém pode ficar triste mais. O luto, por alguém que morreu, a vontade de ficar sozinho, são sentimentos naturais do ser humano. Mas hoje parece que são vistos como doença", afirma.

Paulo possui um consultório em São Paulo e recebe muitas pessoas que acham que estão com alguma doença, simplesmente por algum desânimo que tiveram em suas vidas. "Porém digo que 70% das pessoas que me procuram não têm nenhuma doença, mas sim possuem sintomas naturais decorrentes de algum evento traumático de suas vidas", diz.

Por isso, o que ele mais pergunta para alguém que entra em seu consultório é o seguinte: "Qual a sua história?" Paulo ressalta que entender a vida da pessoa, saber de tudo que aconteceu com ela durante sua caminhada, ajuda muito mais a saber como fazer desaparecer algum sintoma surgido após algum trauma sofrido, do que simplesmente mascará-lo com algum ansiolítico.

Dramatizando eventos traumáticos

A palestra serviu como uma - grande - introdução para que ele apresentasse aos participantes do projeto Tarja Branca uma das formas que ele utiliza para ajudar as pessoas a se livrarem de seus traumas, sem a utilização de medicamentos. O psiquiatra Paulo José Moraes é especialista em Psicodrama, que é uma técnica criada pelo médico romeno Jacob Lévy Moreno, "um dos nomes importantes da psicologia e da psiquiatria que vieram depois do Freud", segundo Paulo.

Dentro do psicodrama, os pacientes, guiados pelo terapeuta, dramatizam algum evento traumático, para conseguir compreender o motivo daquilo ainda trazer muitos problemas em sua vida. Para isso, diversas técnicas do teatro são utilizadas. Portanto, Moreno teve muita ligação com a arte teatral, inclusive aplicou um método chamado de "teatro da espontaneidade" na Áustria, onde ele procurava criar peças teatrais sem a concepção de roteiros ou papéis pré-definidos, como forma de despertar a criatividade dos participantes.
"O que é importante é que pode tirar a pessoa do seu centro. Ou seja, ela está relatando um trauma e ao dramatizar esse trauma, você não precisa usar aquela pessoa, pode usar um ego auxiliar, alguém que ajuda o terapeuta, e a pessoa vê aquela cena. Com isso é possível fazer uma alteração de papéis. Muitas vezes a pessoa está muito fechada numa situação, por exemplo, o homem foi traído pela mulher, aí faz-se uma cena e ele interpreta a mulher. Com isso, consegue compreender outras motivações que ela teve, ou as dores que está sentindo", exemplifica o psicodramatista.

Nessa técnica, além do terapeuta que guia as dramatizações, há os ego auxiliares, citados por Paulo acima. Essas pessoas são também terapeutas que assumem papéis dentro das cenas criadas, para ajudar os pacientes durante a interpretação dos eventos traumáticos. "Por que é um terapeuta? Porque o ego auxiliar pode utilizar uma técnica, como o duplo (em que o ego auxiliar começa a imitar o paciente, para ele compreender melhor suas ações), e aí ele precisa de segurança no que está propondo. Ele precisa saber bastante do que ele está convocando", explica.

O principal de tudo no psicodrama é fazer a pessoa refletir sobre as mais diversas situações de sua vida, que ela busca compreender para conseguir se livrar de seus bloqueios. "Hoje aplicamos muitas técnicas. O ato espontâneo pode ser feito numa praça, por exemplo, para trazer uma reflexão sobre algo. No governo Martha Suplicy, independente de conotação política, foi feito em São Paulo um evento com 300 psicodramas ao mesmo tempo, em vários locais da cidade, como periferia e Centro, com a intenção de pensar um pouco na cidade", exemplifica Paulo.

Aspecto social

De acordo com o psiquiatra, o psicodrama pode ser aplicado individualmente, em consultórios, com a participação apenas do paciente e do terapeuta, porém o aspecto mais forte da técnica é o trabalho em grupos. "Ele cai bem em trabalhos com grupos, porque pode fazer mais abordagens psicossociais", diz.

Por ir mais para o lado social, o psicodrama também se assemelha com uma técnica criada pelo brasileiro Augusto Boal, chamada de Teatro do Oprimido. Boal buscava, por meio do teatro, fazer com que as pessoas dramatizassem aspectos de suas vidas, como forma de trazer para o consciente o que as estariam oprimindo, para então definir quais ações deveriam ser tomadas para superar isso. Porém, segundo Paulo, Boal ia mais para um lado político, por querer que as pessoas criassem um "levante" contra as amarras criadas pela sociedade.

Já o psicodrama de Moreno vai mais para o lado social, sendo mais terapêutico. "A proposta do Teatro do Oprimido é eminentemente de usar o conteúdo teatral e emergir algumas coisas, para trazer algumas possibilidades. O psicodrama faz isso com uma visão mais terapêutica, social e política também. A do Boal tinha um conteúdo eminentemente mais político", ressalta.

Depressão e ansiedade

Para pessoas que estão em estados depressivos e de ansiedade, o psiquiatra relata que técnicas psicoterapêuticas, como o psicodrama, podem ajudar bastante, para que elas possam entender os motivos desses sintomas e que possam trabalhá-los, para desbloquear o que precisa ser desbloqueado. "Eu acho que acima de tudo, que as pessoas possam perceber que elas não estão tendo nada de muito estranho e não se considerando doente por ter ansiedade ou depressão. Ter algum transtorno é comum e que procure lidar com isso com uma abordagem mais natural, não virando um dependente de medicações e tratamentos de entorpecimento", considera.
 
Fonte: Cruzeiro do Sul 

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