Pesquisa mapeia uso indevido de ritalina em universitários
Estudo realizado na UFMG quer saber em que
situações, quantos comprimidos e por quanto tempo jovens saudáveis usam
remédio com o intuito de turbinar o cérebro
A
venda de Ritalina e Concerta explodiu nos últimos anos.
Tradicionalmente indicados para o tratamento de narcolepsia (distúrbio
do sono) e de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH),
esses medicamentos tarja preta têm sido utilizados por estudantes, com
ou sem prescrição, para “turbinar o cérebro” e, com isso, melhorar o
desempenho escolar e acadêmico.
Antonio Scarpinetti/Unicamp
Brasil é o segundo maior consumidor de metilfenidato no mundo; pesquisadores querem traçar perfil de uso em jovens saudáveis
“Tem gente demais usando”, diz a farmacêutica e pesquisadora
do Centro de Estudos do Medicamento da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Daniela Junqueira. O Brasil é o segundo do mundo da
Ritalina, atrás apenas dos EUA. De acordo com a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), só em 2011, foram comercializadas
1.212.850 caixas do medicamento nas farmácias do país. Dados do
Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ) apontam que, em dez anos, o consumo de metilfenidato – substância
ativa dos dois medicamentos – cresceu 775%. O montante da substância,
seja importada ou produzida no País, passou de 122 kg em 2003 para 578
kg em 2012, crescimento de 373%.
Os números de uso são muito
altos, mas pouco se sabe sobre o perfil de pessoas que tomam o
medicamento, nem quantas usam a substância com o intuito de turbinar o
cérebro. Daniela é orientadora da pesquisa de iniciação científica da
aluna de graduação Raissa Fonseca Cândido, que desenvolve um estudo com o
intuito de traçar um panorama, entre estudantes da UFMG, sobre o uso de
medicamento para melhoria do desempenho acadêmico. A universidade tem
quase 50 mil alunos.
Na
pesquisa, estudantes estão sendo convidados a responder um questionário
que mostrará se o estudante faz uso, em que situações, posologia e com
que frequência. Raíssa ressalta que a meta é traçar um panorama de uso e
não identificar quem está consumindo o medicamento, portanto a
identidade do participante é mantida em sigilo.
“Existem estudos
realizados nos Estados Unidos que mostram que 10% dos estudantes
universitários usam metilfenidato. No Brasil, ainda não temos um estudo
amplo sobre isto. Não sabemos para quê as pessoas estão fazendo uso e o
medicamento está entre os cinco mais vendidos”, disse Raíssa.
A
estudante de farmácia afirma que, quando começou a pesquisa, achou que
fosse encontrar mais referência de estudos realizados pelo Brasil. Mas
são poucos. Na biblioteca Scielo só existem 34 estudos sobre
metilfenidato cadastrados. Uma pesquisa publicada neste ano e feita com
estudantes do quinto e sexto ano de uma faculdade de Medicina no Rio
Grande do Sul, mostrou que 34,2% dos participantes já haviam usado
metilfenidato, sendo que 23,02% haviam usado a substância sem a
indicação médica.
Raíssa acredita que o uso exagerado do
medicamento esteja relacionado com a pressão social por ter sempre bons
resultados e produzir cada vez mais. “Tem também a cultura do
imediatismo, um interesse por resultados rápidos, de querer ir bem na
prova estudando apenas uma hora”, completa Daniela.
Os
resultados da pesquisa da UFMG devem sair no fim do próximo ano e dar
um panorama mais amplo do consumo do medicamento no Brasil. “É muito
importante que os estudantes respondam. Queremos entender os motivos que
os levam a usar, e também porque médicos estariam prescrevendo o
medicamento para pessoas saudáveis. Até porque nem todas as pessoas que
usam têm déficit de atenção e não há nenhum estudo que comprove que o
metilfenidato melhora o desempenho acadêmico”, disse Daniela.
Um
estudo realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou
que a Ritalina não promove melhora cognitiva em pessoas saudáveis. O
estudo foi feito com 36 jovens (entre 18 e 30 anos) divididos em quatro
grupos: um parte tomou placebo e os outros três doses únicas de 10 mg,
20 mg ou 40 mg da medicação. Depois de tomarem os comprimidos, os
participantes fizeram testes de atenção e memória. Os quatro grupos
tiveram desempenho semelhantes.
“É um medicamento estimulante do
sistema nervoso central, é um dos derivados da cocaína, a pessoa se
sente mais condicionada, mas o desempenho, de fato, não melhora”, afirma
Daniela.
A farmacêutica ressalta que o medicamento tem efeitos
colaterais no sistema cardiovascular (taquicardia e hipertensão), além
de causar dependência. “É um fármaco autorizado para situações
específicas, não para este tipo de uso. Outro problema é que os estudos
sobre efeitos colaterais medem períodos de no máximo dois anos de uso.
Não se sabe o que pode acontecer no longo prazo”, disse.
Por
Maria Fernanda Ziegler- iG São Paulo | - Atualizada às
Nenhum comentário:
Postar um comentário