O veterano rádio de
válvulas tem o seu lugar na história da Copa do Mundo. Narrações
emocionadas dos speakers levavam o brasileiro para estádios do outro
lado do mundo
Publicação: 21/06/2014 06:00 Atualização: 21/06/2014 09:02
Antonio Maria Claret Chagas e s eu rádio Zenith: testemunhas do trauma da derrota da Seleção Brasileira em 1950 |
Ele está mudo, virou peça de museu e fica na estante ao lado de outros objetos que contam a história da família e da cidade. Mas, no coração e na memória, traz lembranças que ainda ecoam em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Esse personagem tão importante é o rádio da marca Zenith com caixa de madeira com 65cm de largura por 33,5cm de altura, pertencente ao farmacêutico Antônio Maria Claret Chagas, de 68 anos. Especialmente agora, o aparelho de válvulas e três faixas ganha mais destaque. Afinal, foi comprado para que parentes e amigos pudessem ouvir os jogos da Copa de 1950, realizada no Brasil.
A televisão ainda não estava no ar. A voz do locutor, ou speaker, como
se dizia elegantemente naqueles tempos, chegava pelas ondas curtas das
rádios Nacional e Mayrink Veiga. Na maior torcida, todo mundo ficava em
volta do aparelho – embora, no fim daquele torneio, o silêncio sepulcral
tomasse conta do ambiente depois da vitória do Uruguai sobre o Brasil
por 2 a 1. Claret tinha 4 anos, lembra-se vagamente da movimentação
verde-amarela e sabe de cor a trajetória do Zenith que herdou. O velho
aparelho tem lugar de honra na Farmácia Ideal, em atividade desde 1918.
“A recordação que tenho de 1950 é ver muita gente triste”, conta o farmacêutico de Caeté. Entre as duas Copas do Mundo no Brasil – em 1950 e 2014 –, ouviram-se novos gritos das torcidas e a tecnologia conheceu avanços estratosféricos. Se em meados do século passado era um luxo ter rádio em casa, hoje, os televisores de tela plana, em alta definição e com muitas polegadas estão em todos os cantos – sem distinção de classe social.
A primeira transmissão ao vivo para o país do torneio mundial de futebol ocorreu em 1970, ainda em preto e branco. De norte a sul, os brasileiros formaram a “corrente pra frente”, conforme a canção-hino que empolgou a nação: “Noventa milhões em ação/ pra frente, Brasil/ do meu coração/ Todos juntos, vamos/ pra frente Brasil/ Salve a Seleção…”.
Há exatos 40 anos, os uniformes das seleções, o verde-amarelo da bandeira nacional e a farra das torcidas foram exibidos em cores para o Brasil. O muro de Berlim ainda estava de pé e os jogos tiveram como palco a antiga Alemanha Ocidental. Duas décadas depois, entraram em cena as antenas parabólicas: as imagens das partidas nos Estados Unidos, onde o Brasil conquistou o tetra, chegaram a todos os rincões do país.
A TV a cabo ganhou as casas em 1998. Na Copa seguinte, no Japão e Coreia do Sul, as imagens já chegavam em alta definição ao país. Hoje, comenta-se de tudo nas redes sociais, a internet mostra os bastidores em tempo real e a Fifa inaugura o recurso tecnológico hawk-eye, que permite saber, com precisão, se a bola passou a linha do gol. E mais: transmissão é feita para alguns países no sistema 4K, superior ao de alta definição. Certamente, vem muito mais por aí. Quem viver verá.
Direto da farmácia
Antônio José Tibúrcio de Oliveira, residente em Santa Luzia, na Grande BH, é fanático por Copa do Mundo. “Nessa época, a emoção mexe com a gente”, diz o advogado, que sabe tudo sobre os torneios e acompanha os jogos numa TV gigantesca. “Lembro-me bem de 1950. Ouvíamos os jogos na farmácia do seu Castrinho, aqui na Rua Direita. Nasci em 1933 e me lembro vagamente dos jogos de 1938, quando o artilheiro foi um brasileiro, Leônidas da Silva, o Diamante Negro”, conta.
Naquele ano, tentou-se transmitir os jogos pelo rádio, mas a precariedade tecnológica fazia com que a voz do locutor falhasse muito, deixando os nervos do torcedor à flor da pele. “As transmissões se sofisticaram, mas a paixão de torcer não muda”, diz Antônio José.
Antônio José Tibúrcio de Oliveira, residente em Santa Luzia, na Grande BH, é fanático por Copa do Mundo. “Nessa época, a emoção mexe com a gente”, diz o advogado, que sabe tudo sobre os torneios e acompanha os jogos numa TV gigantesca. “Lembro-me bem de 1950. Ouvíamos os jogos na farmácia do seu Castrinho, aqui na Rua Direita. Nasci em 1933 e me lembro vagamente dos jogos de 1938, quando o artilheiro foi um brasileiro, Leônidas da Silva, o Diamante Negro”, conta.
Naquele ano, tentou-se transmitir os jogos pelo rádio, mas a precariedade tecnológica fazia com que a voz do locutor falhasse muito, deixando os nervos do torcedor à flor da pele. “As transmissões se sofisticaram, mas a paixão de torcer não muda”, diz Antônio José.
Ao lado da mulher, Suely, o farmacêutico Antônio Maria Claret Chagas, de Caeté, conta que o velho rádio Zenith foi comprado pelo tio, João Geraldo Chagas, em João Monlevade, no Vale do Aço. “Na época, havia apenas mais dois aqui na cidade: um na estação (ferroviária) da Central do Brasil e outro na Cerâmica João Pinheiro, do pai de Israel Pinheiro”, explica, referindo-se ao conterrâneo que governou Minas de 1966 a 1971.
Goleiro Fã de futebol e atuante na preservação do patrimônio cultural local, o farmacêutico foi goleiro do time do Vasquinho. Para ele, a narração radiofônica das partidas era mais emocionante. Depois de acompanhar a seleção canarinho por muitas copas, ele agora assiste aos confrontos em uma tela plana de 46 polegadas junto de dona Suely, dos dois filhos e dois netos. “O Mundial ganhou muita conotação política, mas deve prevalecer o espírito esportivo. No fim das contas, a emoção sempre se sobrepõe à razão. Na TV de hoje, é tudo certinho. Perdeu a graça”, diz.
Em 1954, quando a Copa ocorreu na Suíça, ele já era maiorzinho. Junto do pai, Antônio Feliciano Chagas, acompanhou a derrota do Brasil para a Hungria por 4 a 2. Dona Suely também se lembra daquele dia. Seu pai, Orlando de Castro, criou um sistema solidário para que os funcionários do escritório da Companhia Ferro Brasileiro pudessem acompanhar a Seleção Brasileira. Ele conectou um alto-falante a um toca-discos e todos puderam torcer, sem interromper as atividades.
Quatro anos depois, na Suécia, o time de Garrincha, Pelé, Vavá e Zagallo conquistou o primeiro título mundial para o Brasil. “Eu ficava ouvindo a partida e imaginando as jogadas. Tia Júlia deixava uma vela acesa sobre o rádio para o Brasil não perder”, relembra Antônio Maria. Na Praça João Pinheiro, os torcedores de Caeté tomavam cerveja ouvindo os jogos pelo alto-falante ligado à radiola, sistema já batizado de corneta.
“A nossa vitória sobre a Suécia, por 5 a 2, gerou uma festa. Copa do Mundo é sempre fuzuê”, lembra o farmacêutico, apontando, no álbum, a foto da “corrente pra frente” em 29 de junho de 1958. Em preto e branco, vê-se uma carreata, no Bairro José Brandão, com torcedores empurrando o caminhão que havia enguiçado.