BBC Mundo - 01/04/2015
Um tratamento de mil anos de idade,
usado na Idade Média para combater infecções nos olhos, pode ser a
chave para acabar com as superbactérias resistentes a antibióticos, de
acordo com pesquisadores da Universidade de Nottingham, na Grã-Bretanha.
Os cientistas recriaram um remédio anglo-saxão do século 10 que continha cebola, alho, vinho e bile de vaca.
O grupo se surpreendeu ao descobrir que este remédio antigo exterminou quase que completamente, em até 90%, o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (SARM).
O remédio foi descrito em um antigo manuscrito anglo-saxão com instruções sobre tratamentos e bálsamos, o Bald's Leechbook, que está na British Library.
O manuscrito é tido como um dos primeiros exemplos de "livro medicinal", segundo Tom Feilden, editor científico do programa Today, da BBC.
Para os olhos
A
especialista em cultura anglo-saxônica Christina Lee, da Universidade
de Nottingham, traduziu a receita de um "bálsamo para os olhos, feito
com alho, cebola ou alho-porro, vinho e bile de vaca".
"Escolhemos
esta receita porque contém ingredientes, como o alho, que estão sendo
investigados por cientistas do presente por sua potencial eficácia em
tratamentos com antibióticos", disse a especialista que teve a ideia de
provar a cientificamente o efeito do remédio.
"Algumas palavras
eram ambíguas e tivemos que pensar muito para saber a qual ingredientes
se referiam", disse Freya Harrison, pesquisadora da Escola de Ciências
da Vida da mesma universidade.
"Reconstruímos (a receita) da forma mais fiel que pudemos", acrescentou Harrison.
Receita detalhada
A
receita descreve uma forma muito específica de obter o bálsamo, que
inclui a utilização de uma vasilha de metal para ferver a mistura em
água e deixar descansando durante nove dias.
Os pesquisadores provavam todos os ingredientes frescos
separadamente, assim como o remédio em seu conjunto e também uma solução
de controle, sem os componentes vegetais.
O remédio resultante da
receita medieval exterminou até 90% de bactérias cultivadas em
laboratório, tanto em feridas sintéticas como em feridas reais
infectadas em ratos.
Harrison afirmou que a equipe esperava que o bálsamos demonstrasse "certa atividade antibiótica".
"Mas ficamos espantados ao ver a eficácia da combinação de ingredientes", afirmou.
Os cientistas diluíram a mistura para testar a dosagem ideal contra uma infecção real em uma pessoa.
Eles concluíram que, quando muito diluído, o remédio não consegue matar o Staphylococcus aureus
resistentes à meticilina (SARM), bactéria que gera infecções na pele e
no sangue. Mas, mesmo diluído, o remédio consegue interferir na
comunicação celular da bactéria.
Para
os pesquisadores esta é uma "conclusão chave", já que as células
precisam se comunicar para ativar os genes que permitem que elas causem
danos nos tecidos infectados.
Os microbiólogos acreditam que bloquear esta comunicação seria uma forma alternativa de tratar infecções.
As conclusões da equipe de pesquisadores serão apresentadas na
Conferência Anual da Sociedade de Microbiologia Geral, em Birmingham.
"Parece
que os médicos anglo-saxões puseram em prática algo bem próximo dos
métodos científicos modernos com sua ênfase na observação e na
experimentação", disse Tom Feilden à BBC.
"O Bald's Leechbook pode conter lições importantes para nossa batalha atual contra a resistência a antibióticos", acrescentou.
A receita do bálsamo para os olhos de Bald
- Misturar uma quantidade semelhante de alho com cebola ou alho-poró, picada e esmagada em um pilão durante dois minutos.
- Adicionar 25 ml de 'vinho inglês', extraído de um vinhedo histórico perto de Glastonbury, que já existia no século 9, para tentar reproduzir a receita da forma mais fiel.
- Dissolver sais biliares bovinos em água destilada e então manter a mistura fria, a quatro graus, durante nove dias.
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