No setor público, houve considerável número de prescrições de medicamentos pelo nome comercial, contrariando a legislação que determina que nestes setores eles devem ser prescritos pelo nome genérico
Notícia publicada na edição de 17/01/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
* Tânia Regina Ferreira
A Organização Mundial da Saúde, em 1985, definiu o uso racional de medicamentos "como a situação na qual o paciente recebe um medicamento, segundo suas necessidades clínicas, nas doses individualmente requeridas, por um adequado período de tempo, a baixo custo para ele e sua comunidade."
Nas últimas décadas, com o desenvolvimento industrial e a grande expansão dos laboratórios farmacêuticos, transformações importantes ocorreram com os profissionais da saúde que estão ligados diretamente com a utilização de medicamentos. Vemos que a produção de medicamentos em escala industrial facilitou o acesso da população, porém traz com ela outros problemas que interferem de forma muitas vezes definitiva no seu uso racional. Levados por influências econômicas e socioculturais, muitos prescritores prescrevem medicamentos que fogem radicalmente da farmacoterapia racional.
Acompanhando a grande expansão dos laboratórios farmacêuticos, pudemos também observar a explosão de redes de farmácias descaracterizando as pequenas bouticas, que foram engolidas pelo modelo mercantilista que as transformou em simples estabelecimentos comerciais, com foco na venda de produtos. O farmacêutico, profissional outrora respeitado dentro da sociedade, sobrecarregado pelas tarefas administrativas e pouco preparado pelas instituições de ensino, que por sua vez, pouco se adequaram às mudanças, tornou-se invisível dentro da cadeia da saúde, passando a ser confundido e substituído por outros profissionais menos graduados.
Na legislação encontramos a prescrição descrita como um importante documento, elo principal de comunicação entre o médico, paciente ou seu cuidador e farmacêutico, que deverá conter, de forma clara e legível, instruções para restauração da saúde do doente. Percebe-se, porém que os próprios profissionais não veem a prescrição dessa maneira. Vê-se com tristeza, na sociedade, a inversão de valores, que define por "bom médico" o profissional cuja letra é o mais ilegível possível, garranchos esses que muitas vezes nem mesmo o próprio autor consegue traduzir. Paralelamente, encontramos outro conceito de que quem deverá ler tais garranchos são os melhores e mais competentes "farmacêuticos".
A prescrição pediátrica, por sua vez, deveria estar direcionada ao acompanhante da criança, geralmente à mãe, o responsável pela correta execução do tratamento, cujo sucesso depende óbvia e integralmente desse fato. Deveria conter de forma clara, legível, sem símbolos ou abreviaturas instruções sobre o tratamento, seja ele medicamentoso ou não medicamentoso. O usuário da receita ou seu cuidador deveria ser o primeiro a lê-la e entendê-la, sem ter que depender de terceiros para fazê-lo.
Pesquisa recente, sobre receitas pediátricas, realizada durante meses na cidade de Sorocaba, analisou prescrições contendo antipiréticos (medicamentos usados para o controle da febre) e anti-inflamatórios não esteroides (usados para tratamento de inflamações) em crianças de 0 a 12 anos, nos setores público e privado.
A qualidade das prescrições pediátricas analisadas não difere umas das outras quanto à origem, isto é, tanto prescrições provenientes do setor público (SUS) quanto do setor privado (convênios, consultórios particulares, entre outras) apontam que esses documentos são feitos de forma incompleta e precisam ser adequadas. Os tratamentos estão focados somente em condutas medicamentosas descritas de maneira insuficiente, duvidosa, sem nenhuma orientação não medicamentosa por escrito.
No setor privado, o estudo destacou baixa porcentagem de prescrição de fármacos pelo nome genérico, o que pode ser o reflexo da influência da indústria farmacêutica no momento da prescrição. Já no setor público, houve considerável número de prescrições de medicamentos pelo nome comercial, contrariando a legislação que determina que nestes setores eles devem ser prescritos pelo nome genérico. Foram encontradas prescrições contendo piroxicam e cetoprofeno indicadas para crianças menores que a faixa etária aprovada para uso desses medicamentos. Ambos os setores utilizam a dipirona em doses superiores às indicadas para uso seguro.
O estudo mostrou que a prescrição pediátrica não é valorizada. Médicos, outros profissionais de saúde, pacientes e a população em geral não a entendem como um documento que se preenchido correta e completamente servirá como referencial para a realização do tratamento. A educação e a informação desprovida de interesse comercial, além de medidas reguladoras mais severas, poderiam contribuir para o uso racional de medicamentos. Instituições de ensino e profissionais de saúde deveriam assumir papeis transformadores dentro deste contexto. O uso racional de medicamentos exige mudanças culturais imediatas para que seja implantado de forma efetiva.
* Tânia Regina Ferreira é farmacêutica, mestre em Ciências Farmacêuticas - Uso racional de medicamentos, professora do curso de Farmácia da Uniso e farmacêutica responsável técnica da Farmácia Comunitária "Vital Brazil" - PUC/Uniso. (tania.ferreira@uniso.br)
fonte: O Cruzeiro
A Organização Mundial da Saúde, em 1985, definiu o uso racional de medicamentos "como a situação na qual o paciente recebe um medicamento, segundo suas necessidades clínicas, nas doses individualmente requeridas, por um adequado período de tempo, a baixo custo para ele e sua comunidade."
Nas últimas décadas, com o desenvolvimento industrial e a grande expansão dos laboratórios farmacêuticos, transformações importantes ocorreram com os profissionais da saúde que estão ligados diretamente com a utilização de medicamentos. Vemos que a produção de medicamentos em escala industrial facilitou o acesso da população, porém traz com ela outros problemas que interferem de forma muitas vezes definitiva no seu uso racional. Levados por influências econômicas e socioculturais, muitos prescritores prescrevem medicamentos que fogem radicalmente da farmacoterapia racional.
Acompanhando a grande expansão dos laboratórios farmacêuticos, pudemos também observar a explosão de redes de farmácias descaracterizando as pequenas bouticas, que foram engolidas pelo modelo mercantilista que as transformou em simples estabelecimentos comerciais, com foco na venda de produtos. O farmacêutico, profissional outrora respeitado dentro da sociedade, sobrecarregado pelas tarefas administrativas e pouco preparado pelas instituições de ensino, que por sua vez, pouco se adequaram às mudanças, tornou-se invisível dentro da cadeia da saúde, passando a ser confundido e substituído por outros profissionais menos graduados.
Na legislação encontramos a prescrição descrita como um importante documento, elo principal de comunicação entre o médico, paciente ou seu cuidador e farmacêutico, que deverá conter, de forma clara e legível, instruções para restauração da saúde do doente. Percebe-se, porém que os próprios profissionais não veem a prescrição dessa maneira. Vê-se com tristeza, na sociedade, a inversão de valores, que define por "bom médico" o profissional cuja letra é o mais ilegível possível, garranchos esses que muitas vezes nem mesmo o próprio autor consegue traduzir. Paralelamente, encontramos outro conceito de que quem deverá ler tais garranchos são os melhores e mais competentes "farmacêuticos".
A prescrição pediátrica, por sua vez, deveria estar direcionada ao acompanhante da criança, geralmente à mãe, o responsável pela correta execução do tratamento, cujo sucesso depende óbvia e integralmente desse fato. Deveria conter de forma clara, legível, sem símbolos ou abreviaturas instruções sobre o tratamento, seja ele medicamentoso ou não medicamentoso. O usuário da receita ou seu cuidador deveria ser o primeiro a lê-la e entendê-la, sem ter que depender de terceiros para fazê-lo.
Pesquisa recente, sobre receitas pediátricas, realizada durante meses na cidade de Sorocaba, analisou prescrições contendo antipiréticos (medicamentos usados para o controle da febre) e anti-inflamatórios não esteroides (usados para tratamento de inflamações) em crianças de 0 a 12 anos, nos setores público e privado.
A qualidade das prescrições pediátricas analisadas não difere umas das outras quanto à origem, isto é, tanto prescrições provenientes do setor público (SUS) quanto do setor privado (convênios, consultórios particulares, entre outras) apontam que esses documentos são feitos de forma incompleta e precisam ser adequadas. Os tratamentos estão focados somente em condutas medicamentosas descritas de maneira insuficiente, duvidosa, sem nenhuma orientação não medicamentosa por escrito.
No setor privado, o estudo destacou baixa porcentagem de prescrição de fármacos pelo nome genérico, o que pode ser o reflexo da influência da indústria farmacêutica no momento da prescrição. Já no setor público, houve considerável número de prescrições de medicamentos pelo nome comercial, contrariando a legislação que determina que nestes setores eles devem ser prescritos pelo nome genérico. Foram encontradas prescrições contendo piroxicam e cetoprofeno indicadas para crianças menores que a faixa etária aprovada para uso desses medicamentos. Ambos os setores utilizam a dipirona em doses superiores às indicadas para uso seguro.
O estudo mostrou que a prescrição pediátrica não é valorizada. Médicos, outros profissionais de saúde, pacientes e a população em geral não a entendem como um documento que se preenchido correta e completamente servirá como referencial para a realização do tratamento. A educação e a informação desprovida de interesse comercial, além de medidas reguladoras mais severas, poderiam contribuir para o uso racional de medicamentos. Instituições de ensino e profissionais de saúde deveriam assumir papeis transformadores dentro deste contexto. O uso racional de medicamentos exige mudanças culturais imediatas para que seja implantado de forma efetiva.
* Tânia Regina Ferreira é farmacêutica, mestre em Ciências Farmacêuticas - Uso racional de medicamentos, professora do curso de Farmácia da Uniso e farmacêutica responsável técnica da Farmácia Comunitária "Vital Brazil" - PUC/Uniso. (tania.ferreira@uniso.br)
fonte: O Cruzeiro
http://portal.cruzeirodosul.inf.br/acessarmateria.jsf?id=358183
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