sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

EntrevistaDrogarias no Brasil têm de vender de tudo, defende o presidente a Abrafarma

O varejo de medicamentos no Brasil está em franca transição, inclusive o modelo das farmácias, foco de cerca de 300 projetos de lei em tramitação no Congresso. Como no resto do mundo, as farmácias vão se juntar cada vez mais em grandes redes. Aqui, das 12.110 lojas que fazem 75% do mercado, duas mil faturam acima de R$ 4 milhões ao ano, ressalta o presidente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Mena Barreto, em entrevista ao DCI. -

Em um mercado que já atingiu R$ 46 bilhões ao ano - e que deverá dobrar até 2015 -, as grandes redes de revenda de medicamentos brigam inclusive na Justiça para ampliar o leque de itens comercializados nas farmácias. Ao contrário de décadas atrás, quando se restringiam a atender atrás do balcão, esses estabelecimentos oferecem hoje autosserviço e uma série de outras mercadorias de conveniência. Mas o emaranhado de leis federais e estaduais criou uma situação confusa e ainda à espera de decisão final do Judiciário.

"A população quer, sim, uma farmácia que venda produtos de conveniência, que recarregue seu celular", afirma o presidente da Abrafarma, que reúne 29 grandes redes de farmácias no País. Mena Barreto explica ainda os motivos pelos quais a entidade pleiteia a permissão para que supermercados vendam medicamentos em suas gôndolas e tenham até pequenas clínicas, com médicos prescrevendo os remédios ali comercializados, como nos Estados Unidos e na Inglaterra.


Entrevista:

DCI: O que mudou no setor nas últimas décadas?

SMB: Há 30 anos, as farmácias eram todas com balcão. Hoje, a realidade é outra: autosserviço, check-out na porta e gôndolas. No modelo de autosserviço, em que o caixa fica na porta, é necessário o cupom fiscal. Do contrário, alguém pode pegar a mercadoria e furtá-la. Ao trazerem o autosserviço, as redes passaram a pagar impostos em dia e exigir melhorias do governo. A gota d'água para a maior união do setor foi o aparecimento de projetos de leis federais e leis municipais proibindo a concorrência, por meio de vários mecanismos, como proibir abertura de lojas a menos de 300 metros uma da outra.

DCI: A tal da lei de zoneamento...

SMB: Essa lei surgiu para proteger. Uma grande rede vai chegar aqui, vai tomar o mercado. Uma maneira que eu tenho de me garantir é que ninguém abra ao meu redor. Teve também a lei do plantão. Em São Paulo, só uma farmácia ficava aberta 24 horas em cada bairro, inclusive aos domingos. As redes querem abrir o máximo possível. Foi uma maneira que o mercado encontrou de se proteger das redes. Quem não quer competir tendo que abrir 24 horas, criou leis que só um pode abrir. A Abrafarma nasceu nesse momento. As 29 redes criaram a entidade para dizer ao governo, ao Congresso e à sociedade que não são iguais às outras, que defendem práticas diferentes. A política de genéricos existe no Brasil porque a Abrafarma apoiou integralmente o então ministro José Serra.



DCI: A entidade é favorável à venda de medicamentos em supermercados?

SMB: Hoje todos os grandes supermercados têm farmácias. O Walmart foi o primeiro a entrar na Abrafarma. Não é dentro do supermercado porque a legislação brasileira não permite, como nos Estados Unidos. Lá, os supermercados representam 13% das vendas. Disputam com as redes e têm até clínicas para problemas básicos. O médico consulta, prescreve e o paciente retira o medicamento ali. No Brasil, a legislação proíbe consultórios até dentro das farmácias.



DCI: Quais os limites da nossa legislação em relação a isso?

SMB: Aqui, teoricamente a lei permitiria farmácias iguais às dos Estados Unidos e Inglaterra, com 40 mil itens, e ao lado, em uma clínica, um médico prescreve medicamento. Isso está virando um modelo. Na Inglaterra, além de clínicas dentro das lojas, vende-se vinho, cerveja e pizza, porque são lojas de conveniência. A nossa lei é de 1963. Teoricamente, permite a venda de tudo. A Anvisa tem regras diferentes porque a lei de 1963 nunca teve uma regulamentação local. Nos últimos anos é que os estados começaram a fazer essa regulamentação, prevista na lei superior.



DCI: Estamos em uma transição de modelo, é isso?

SMB: Sim, e virou um embate ideológico. Uma corrente sanitarista vinculada à corrente europeia do passado diz: farmácias só podem vender produtos farmacêuticos e alguns cosméticos. São quase 300 projetos de lei no Congresso para regulamentar a farmácia. O discurso é: temos de transformar a farmácia no que ela deve ser, mas isso é pura ideologia. A Abrafarma ouve a população a cada dois anos. A população quer, sim, uma farmácia que venda produtos de conveniência, que recarregue seu celular. O discurso do governo é que a farmácia tem de voltar a ser um estabelecimento de saúde. Na cabeça deles, porque na da população não é isso, ela quer uma farmácia que venda tudo. Se esses projetos de lei, que restringem o negócio das farmácias forem aprovados, ficará insustentável o varejo.

DCI: Algumas farmácias já vendem outros produtos...

SMB: Já vendem, mas com muita briga na Justiça. Provocamos o Superior Tribunal de Justiça [STJ], que autorizou a venda de outros itens até uma decisão final. É um embate ideológico sério porque os farmacêuticos não gostariam de trabalhar em farmácia, e sim em laboratórios industriais. O curso de farmácia é voltado para isso. O comércio é uma coisa menor para eles, valorizam fazer o medicamento. As farmácias de manipulação só existem aqui. Toda a insegurança desse processo é lamentável, mas atende um pouco à ideologia da formação universitária. A indústria farmacêutica é fiscalizada.



DCI: Mas manipulados custam menos.

SMB: São mais em conta porque menos controlados. De onde vêm os princípios ativos? Índia, China? A fatia dos manipulados no mercado é pequena. São oito, nove mil lojas. A mídia já mostrou que é um mercado sustentado à base de indicações dos médicos, remunerados por isso.



DCI: A tendência é o Brasil adotar o modelo que vigora lá fora?

SMB: O que compensa o limite da margem de ganho nos medicamentos é a venda de outros produtos. E tem concorrência, inclusive nas farmácias de supermercados. A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] fixou uma lista desses itens, mas a lei não dá esse direito à agência reguladora e conseguimos anular essa regra no STJ. Ao mesmo tempo vários estados regulamentaram essa lista. São 26 leis estaduais vigorando a esse respeito. O julgamento ainda não terminou. A decisão, com a alegação de dar mais segurança ao consumidor, fez as farmácias colocarem os medicamentos atrás do balcão, na contramão do resto do mundo.



DCI: Quais as consequências?

SMB: Foi um desastre, do ponto de vista econômico. Não para a farmácia, que adorou, nem para a rede, que achou razoável, mas para o consumidor foi péssimo. Na mesma semana em que a Anvisa colocou os produtos para trás do balcão e limitou a lista de outros itens que podem ser comercializados em farmácias, a gente foi ao STJ, que tomou uma decisão política. Três anos atrás, o Chile havia decidido colocar os medicamentos atrás do balcão, deixando os consumidores reféns da farmácia, mas o governo baixou um decreto mandando tirar de trás do balcão os remédios sem necessidade de prescrição. Isso está acontecendo no Brasil: o cliente fica refém do que o balconista disser. E o preço médio ficou mais caro. Se a farmácia tem uma limitação física atrás do balcão, claro que ela não vai incorporar novos produtos. E toma a decisão no lugar do consumidor. A decisão de proibir é da diretoria antiga da Anvisa. A atual criou um grupo de trabalho para revisar essa decisão, que vigora desde 2010.



DCI: E a posição do Congresso?

SMB: O projeto de lei mais sério que pode impactar o varejo, o de número 385, atualmente com tramitação mais avançada, é de iniciativa do Senado, foi modificado na Câmara e voltará ao Senado. Proíbe a venda de todos os produtos na farmácia que não os escritos na lei. Obriga submeter ao Conselho Municipal de Saúde o pedido de abertura de uma nova loja e registrá-lo no Conselho Nacional de Farmácias, que é um conselho profissional. Mais uma vez o projeto também visa fortalecer os conselhos de farmácias, é corporativista. A proposta está para entrar na pauta a qualquer momento. Infelizmente, tem um conteúdo ideológico. Existe a Frente Parlamentar de Assistência Farmacêutica no Congresso, que discute tudo isso.



DCI: O combate à falsificação não faz parte dessas propostas?

SMB: O que estimula a falsificação é o descontrole, a informalidade, a falta de rastreabilidade, que é incorporar um selo Identificador Único de Medicamento, com código Datamatrix, à caixinha fechada, monitorada desde a indústria até o fabricante. Além da falsificação tem um problema de roubo das caixas. O medicamento é o quinto mercado mais roubado no Brasil. O bandido rouba o caminhão da distribuidora, guarda o produto e depois é distribuído por uma rede informal, com camelôs e até farmácias. Esse medicamento ficou armazenado em condições desconhecidas de temperatura, umidade, etc. E quando essa temperatura passa de 50 graus, o medicamento perde o efeito, o mesmo acontece quando submetido à umidade alta. É necessário rastrear o produto inapto para uso, mas hoje não se consegue isso. Agora estamos discutindo como será a rastreabilidade, com controle do lote, validade e até do número de cada caixinha, como se fosse um chassi de um carro. Roubado o caminhão, quais os números das caixinhas? Todas estão inaptas ao consumo. Se forem pegos com camelô e farmácia, os responsáveis podem ser presos.



DCI: Daqui quanto tempo?

SMB: É uma lei de 2009, deve vigorar este ano, falta regulamentação da Anvisa. Vai melhorar a logística, distribuição, controle. No processo de rastreabilidade, a indústria acrescentará informações, o distribuidor e o varejo também. A lei prevê que até o consumidor será cadastrado. Isso requer mudança tecnológica profunda. Nenhum país chegou a esse nível ainda. Mas talvez a gente chegue lá, saber quem prescreveu e quem comprou.



DCI: Qual o potencial de crescimento desse mercado?

SMB: Vai dobrar de tamanho até 2015. Mais renda e maior concorrência. Hoje é de R$ 46 bilhões. Estamos em uma fase de fortalecimento de consumo no Brasil e esse mercado explodirá se os planos de saúde e a sociedade entenderem que assistência farmacêutica é uma coisa importante. Do presidente Lula para cá, até por uma questão de ideologia, o governo vê a farmácia privada e o plano de saúde privado como mal necessário. Acham que o Sistema Único de Saúde tinha de se responsabilizar pelo fornecimento dos medicamentos, adquiridos de maneira centralizada. Isso não funciona. No mundo inteiro a farmácia é um braço do governo. Na França, o cidadão entrega a receita e o governo paga por ela em um determinado nível. A farmácia inglesa e argentina também funciona assim. Aqui, isso ocorre apenas por meio de uma farmácia básica, bancada pelo governo e operando dentro das farmácias privadas.

DCI: Os genéricos já pegaram no Brasil?

SMB: Não. O mercado é dividido em medicamentos de referência, genéricos e similares, que não fizeram os testes. E como a patente brasileira ainda é muito recente, esses produtos têm os mesmos princípios ativos. Tem similares excelentes, mas outros não excelentes. O genérico é igual a um produto de referência, do contrário não é aprovado. Ele tem de apresentar a mesma maneira de atuação e o mesmo resultado. A lei diz que até 2014 o similar deve se transformar em genérico ou desaparecer. Porque só vão existir duas categorias, como no mundo todo. Na América do Sul tem bastante similar, mas na Europa raramente se vê esse produto.



DCI: E como a indústria brasileira está em relação às patentes?

SMB: Encerrado o período de validade da patente, que é de 20 anos no mundo inteiro, em média, os fabricantes podem fazer o genérico, a patente quebra automaticamente. Qualquer país pode fabricar, qualquer laboratório pode fazer os testes de equivalência. Enquanto é medicamento de referência, o preço remunera pesquisa, marketing, etc. Quando entra o genérico, cerca de 50% mais barato porque não tem os custos de pesquisa, a referência começa a baixar o preço o bastante para se aproximar e não perder tanto mercado. Temos poucos laboratórios no Brasil investindo em inovação, que é muito cara. De cada 500 projetos, um se torna comercialmente viável. O genérico hoje representa 25% do mercado. No IMS, ele representa 17%, mas você tem um pedaço de medicamento MIP, que é isento de prescrição, também genérico. A participação de similares ainda é muito grande, de 25%, porque a lei de patentes é recente.



LL: De tudo o que o Brasil consome, o que é produzido por laboratórios nacionais?

SMB: De similares, 25%. Existem multinacionais com planta no Brasil. Importamos muito pouco hoje. Não temos indústria química, os sintetizados vêm de fora, 90%. É um defeito estrutural, nunca incentivamos. A indústria de química fina que tinha no Brasil foi extinta, pois fica mais fácil comprar em outro lugar. A maior parte do que se consome no Brasil é produzido aqui, com princípios ativos importados, inclusive da China, que tem coisa boa e coisa ruim, por isso que o importador ou o fabricante tem que ser muito bom.


Fonte: DCI 
 

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