O maior problema social da atualidade é, inegavelmente, o
desemprego. O desemprego, em uma sociedade marcadamente capitalista, destrói a
auto-estima, aniquilando o ser humano, e, ao mesmo tempo, é causa de uma série
enorme de problemas que atingem toda a sociedade.
Este problema, evidentemente, está ligado, de forma mais
precisa, às políticas de macro-economia, considerados os arranjos comerciais e
produtivos em escala mundial.
Todavia, tem também ligação com a forma de regulação das
relações de trabalho. A facilidade jurídica conferida aos empregadores para
dispensarem seus empregados provoca uma grande rotatividade de mão-de-obra, que
tanto impulsiona o desemprego quanto favorece a insegurança nas relações
trabalhistas, e, ainda, fragiliza a situação do trabalhador, provocando a
precarização das condições de trabalho.
Assim, se o direito do trabalho não pode gerar bens à
satisfação do incremento da economia, pode, por outro lado, fixar um
parâmetro de segurança e dignidade nas relações de trabalho, que tanto
preserve o homem no contexto produtivo quanto, de certa forma, acaba
beneficiando as políticas econômicas.
O principal papel a ser cumprido pelo direito do trabalho nos
tempos presentes, portanto, é o de evitar o desemprego desmedido e
despropositado, que apenas serve para incrementar a utilização de contratos
que desconsideram os seus fins sociais e geram insegurança na sociedade.
Sob esta perspectiva, é crucial que se passe a considerar
que a dispensa imotivada de trabalhadores não foi recepcionada pela atual
Constituição Federal, visto que esta conferiu, no inciso I, do seu artigo 7º.,
aos empregados a garantia da "proteção contra dispensa arbitrária ou sem
justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos".
Ora, da previsão constitucional não se pode entender que a
proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa dependa de lei
complementar para ter eficácia jurídica, pois que o preceito não suscita
qualquer dúvida de que a proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa
causa trata-se de uma garantia constitucional dos trabalhadores. Está-se,
diante, inegavelmente, de uma norma de eficácia plena. A complementação
necessária a esta norma diz respeito aos efeitos do descumprimento da garantia
constitucional.
Mesmo que assim não fosse, é evidente que a inércia do
legislador infraconstitucional (já contumaz no descumprimento do comando
constitucional) não pode negar efeitos concretos a um preceito posto na
Constituição para corroborar o princípio fundamental da República da
proteção da dignidade humana (inciso III, do artigo 1º),
especialmente quando a dispensa de empregados se configure como abuso de
direito, o que, facilmente, se vislumbra quando um empregado é dispensado, sem
qualquer motivação, estando ele acometido de problemas de saúde provenientes
de doenças profissionais, ou, simplesmente, quando a dispensa é utilizada para
permitir a contratação de outro trabalhador, para exercer a mesma função com
menor salário, ou vinculado a contratos precários ou a falsas cooperativas. Ou
seja, quanto o pretenso direito potestativo de resilição contratual se utiliza
para simplesmente diminuir a condição social do trabalhador, ao contrário do
que promete todo o aparato constitucional.
Neste sentido, vale lembrar das lições de Karl Larenz
[1], há muito manifestadas, analisando as relações jurídicas sob o
aspecto da teoria geral do direito, no sentido de que: a) a vinculação em uma
dada relação jurídica não retira da parte o seu direito subjetivo
fundamental, que é o direito da personalidade, que se insere no contexto da
proteção da dignidade humana, e que pode ser exercido em face de qualquer
pessoa; b) o exercício do direito potestativo, nas relações jurídicas que o
prevêem, encontra, naturalmente, seus limites na noção do abuso de direito e
no princípio da boa fé.
Ora, logicamente, os direitos de personalidade são
garantidos ao empregado na relação jurídica trabalhista e estes direitos se
exercem em face do empregador, sendo agressões nítidas a esses direitos o
trabalho em condições desumanas e sobretudo a cessação abrupta e imotivada
da relação jurídica, na medida em que perde o meio de sua subsistência, sem
sequer saber o motivo para tanto.
Evidentemente, como explica o mesmo autor, não há a
necessidade de uma regra específica para que direito subjetivo da personalidade
seja exercido.
A noção de abuso do direito encerra o princípio de que o
exercício de um direito subjetivo é ilícito quando não tiver outro objetivo
que o de causar prejuízo a outrem [2] e mesmo quando exercido de
forma imoral [3].
No tocante à boa fé, esclarece Larenz que "sempre que
exista entre pessoas determinadas um nexo jurídico, estas estão obrigadas a
não fraudar a confiança natural do outro" [4].
Lembre-se, ademais, que nos termos do atual Código Civil,
art. 187, comete ato ilícito aquele que, independentemente de culpa, titular de
um direito, "ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes".
O novo Código Civil, aliás, estabeleceu uma nítida
mitigação do princípio do "pacta sunt servanda", dando maior relevo
à função social dos contratos que à liberdade de contratar (art. 421) e o
artigo 422, do mesmo Diploma, reafirmou, desta feita, expressamente, que a
boa-fé deve estar à base do contrato na sua formação, na sua execução e na
sua extinção, sendo que quanto a este último aspecto a normatização foi
trazida no art. 472.
A proteção contra a dispensa arbitrária, portanto,
encontra no ordenamento jurídico fundamentos que transcendem até mesmo à
própria discussão em torno da aplicabilidade do art. 7º., I, da CF.
Mas, mesmo mirando-se a questão neste aspecto, a proteção
contra dispensa arbitrária tem plena vigência.
O inciso I, do art. 7º, em questão, faz menção,
é verdade, à indenização como forma de concretizar a garantia constitucional
e o artigo 10, inciso I, do ADCT, estipulou a indenização de 40% sobre o saldo
do FGTS, para valer enquanto não votada a Lei Complementar, mencionada no
inciso I, do art. 7º. No entanto, há de se reconhecer que a
Constituição ao proibir a dispensa arbitrária acabou por criar uma espécie
qualificada de dispensa.
Desse modo, a dispensa que não for fundada em justa causa,
nos termos do art. 482, da CLT, terá que, necessariamente, ser embasada em
algum motivo, sob pena de ser considerada arbitrária. A indenização prevista
no inciso I, do art. 10, do ADCT, diz respeito, portanto, à dispensa sem justa
causa, que não se considere arbitrária, visto que esta última está proibida,
dando margem não à indenização em questão, mas à restituição das coisas
ao estado anterior, quer dizer, à reintegração do trabalhador ao emprego, ou,
não sendo isto possível ou recomendável, a uma indenização compensatória.
Lembre-se, a propósito, que o art. 7º., I, mesmo
tratando da indenização não exclui a pertinência da aplicação de
"outros direitos", como forma de tornar eficaz a garantia.
Assim, aplicados os preceitos constitucionais e legais, sob o
âmbito individual, passam a existir quatro tipos de dispensa: a) a imotivada
(que ora se equipara à dispensa arbitrária); b) a motivada (mas, sem justa
causa); c) a com justa causa (art. 482, da CLT); e d) a discriminatória
(prevista na Lei n. 9.029/95);
A dispensa imotivada equipara-se à dispensa arbitrária e é
proibida constitucionalmente.
A dispensa motivada (ou sem justa causa) dá ensejo ao
recebimento pelo empregado de uma indenização equivalente a 40% sobre o FGTS.
A dispensa com justa causa, devidamente comprovada, nos
termos do art. 482, da CLT, provoca a cessação do vínculo sem direito a
indenização.
A dispensa discriminatória vem expressa quanto à
definição e aos seus efeitos na Lei n. 9029/95, dando ensejo à reintegração
ou indenização compensatória.
A dispensa que não for por justa causa ou não se embasar em
motivo suficiente, como dito, considerar-se-á arbitrária e, portanto, não
está autorizada ao empregador. Quanto aos efeitos não se pode entender que à
dispensa arbitrária aplica-se a indenização de 40% do FGTS, pois que isto
equivaleria a dizer que dispensa sem justa causa e dispensa arbitrária são a
mesma coisa, e, evidentemente, não são. A dispensa sem justa causa não tem
base em uma causa considerada "justa" pela lei (art. 482, CLT), mas
deve possuir uma causa (um motivo), sob pena de ser considerada arbitrária.
Quais seriam, entretanto, os parâmetros jurídicos para se
considerar uma dispensa motivada, afastando a hipótese de dispensa arbitrária?
O modelo jurídico nacional já traz, há muito, definição
neste sentido, entendendo-se como arbitrária a dispensa que não se funde em
motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro, conforme previsto no
art. 165, da CLT.
A norma constitucional que proíbe a dispensa arbitrária,
portanto, tem eficácia plena e sua aplicação não pode e não deve ser
evitada.
Quanto aos efeitos, a declaração judicial da dispensa
arbitrária dá ensejo à reintegração ao emprego ou à condenação ao
pagamento de uma indenização.
Costuma-se dizer que o instituto da reintegração teria sido
banido de nosso sistema jurídico [5]; já outros, mais amenos,
concluíram que a reintegração somente seria possível nas hipóteses
específicas de estabilidade definitiva (a decenal, em razão de direito
adquirido), de estabilidades provisórias (com previsão legal) e de
estabilidades decorrentes de norma convencional [6]. De qualquer
modo, na visão desses autores, a reintegração não seria remédio jurídico
para os casos de dispensa arbitrária.
Todavia, "data venia", analisando-se o inciso I, do
artigo 7o., da CF/88, não é bem isso o que se verifica. Com efeito, dispõe
essa regra constitucional uma proteção da relação de emprego, em face de
dispensa arbitrária, estabelecendo o pagamento de indenização, "dentre
outros direitos".
Na verdade, na dispensa arbitrária, adotando-se como
parâmetro legal a regra do artigo 496, da CLT, por aplicação analógica, o
juiz do trabalho poderá, considerando desaconselhável a reintegração,
"dado o grau de incompatibilidade resultante do dissídio", optar pela
condenação do empregador ao pagamento de uma indenização.
Os artigos 495 e 496 da CLT são normas processuais que
refletem a tradição jurídica brasileira quando se trata de dar efetividade
às regras de estabilidade no emprego. Tais regras foram, sem a menor dúvida,
recepcionadas pela nova ordem constitucional, até porque têm sido
hodiernamente aplicadas nos casos de estabilidade provisória. Desde que se
esteja diante de uma regra jurídica de estabilidade no emprego, a
reintegração aparecerá, inevitavelmente, como solução possível e até
preferencial para o conflito em que se discuta a aplicação dessa norma.
Tanto isso é verdade que a própria Lei n. 9.029/95, que
instituiu a proibição de dispensa por ato discriminatório, previu a
"readmissão" - leia-se, reintegração - como hipótese possível
para o deslinde do conflito.
Além disso, constitui preceito da teoria geral do direito
que a declaração da nulidade do ato deve reconstituir as coisas no estado em
que se encontravam antes da realização do ato anulado. Ora, se a dispensa do
empregado estava proibida, a declaração de sua nulidade motiva,
conseqüentemente, a determinação da reintegração, como forma de se retomar
o "status quo". A indenização, como meio de compensação do
prejuízo causado pelo ato nulo, aparece apenas alternativamente, na
impossibilidade de concretização da reversão dos fatos.
A reintegração ao emprego, ademais, constitui a fórmula
mais eficaz de cumprir o direito a sua função social.
Diz-se, ainda, que a Constituição, ao fixar o direito ao
FGTS para todos os empregados, indistintamente, tornou-se incompatível com
sistemas de garantias gerais de emprego. Entretanto, o FGTS não pode ser visto
como um direito que negue outra garantia maior aos trabalhadores, pois assim
estipula o próprio "caput" do art. 7º., da CF: "são
diretos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social" (grifou-se). Estabelecido, assim, o
princípio da progressividade das garantias ao trabalhador. Aliás, como já vem
se firmando na jurisprudência, o FGTS não é óbice à aquisição de
estabilidade pelo servidor concursado, cujo regime é o da CLT.
Assim, a determinação de reintegração do empregado,
arbitrariamente dispensado, é plenamente cabível, até porque se não
considerada juridicamente possível restaria aos juízes apenas a hipótese de
indenização, o que nem sempre se faz em favor da ordem social, já que uma
reintegração, muitas vezes, pode ser menos traumática para as próprias
empresas do que o pagamento de uma indenização.
Quanto à indenização, nos casos de dispensa considerada
arbitrária em que a reintegração se mostre desaconselhável ou impossível,
qual seria esta?
Para responder a essa indagação é necessário recordar que
nenhuma regra legal precisa existir para que os juízes do trabalho, julgando os
conflitos com poder de discernimento, estabeleçam o valor da indenização
devida em cada caso concreto, como se faz há muito, aliás, na Justiça comum
no julgamento das causas que têm por fundamento o artigo 186 do Código Civil -
dispositivo que prevê a obrigação de indenizar daquele que causar dano a
outrem e que é base jurídica, diga-se de passagem, para as ações de
indenização por acidente do trabalho. Tal dispositivo não estabelece o valor
da indenização e ninguém nunca negou sua eficácia porque um Decreto
executivo não o tivesse regulamentado. A fixação do valor é feita por
arbitramento, segundo critérios de verificação do dano sofrido, da
necessidade de quem pede a reparação e da possibilidade econômica do
condenado. E nem se diga que o artigo 186 do Código Civil não pode ser
invocado neste tema porque se trata de um preceito não inserido na ordem
legislativa trabalhista, e que a Justiça do Trabalho não teria competência
para aplicá-lo. Ora, o preceito mencionado está posto no Código Civil porque
é neste Diploma que se encontram as regras de teoria geral do direito, teoria
esta que se aplica, sem sombra de dúvida, em todos os ramos do direito
não-penal, como é o caso do direito do trabalho.
Evidente que, adotando os parâmetros da legislação
trabalhista, para casos análogos (indenização do portador de estabilidade
definitiva, do portador de estabilidade provisória e dos casos de dispensa
discriminatória), há parâmetros para o arbitramento desse valor, mas que, de
todo modo, não impedem a avaliação das peculiaridades de cada caso em
concreto.
Vale verificar, ademais, que já vêm se inserindo na
realidade das Varas do Trabalho os pedidos de indenização por dano pessoal,
mal denominado "dano moral", para as hipóteses de dispensa sem justa
causa, tendo à vista os prejuízos experimentados pelo trabalhador em face do
desemprego imotivado.
O fato é que com o tempo, num exercício de erros e acertos,
a jurisprudência, mais sábia que o legislador no que se refere ao tratamento
de casos concretos, saberá fixar, de forma mais definida, os contornos dessa
indenização, que não se limita, como dito acima, de forma alguma, ao valor de
40% do FGTS. Lembre-se, a propósito, que não é raro o processo de
integração do sistema jurídico feito pela jurisprudência, com apoio na
doutrina. Vide, como exemplo, o prazo de 30 (trinta) dias para se caracterizar o
abandono de emprego, que não tem previsão legal específica.
O ordenamento jurídico nacional, portanto, possui todos os
instrumentos para que se coíba com eficácia a dispensa arbitrária, sendo
este, aliás, um imperativo do direito social, constitucionalmente consagrado.
Não bastasse isto, há de se considerar, ainda, que tem
plena vigência no nosso ordenamento, a Convenção 158, da OIT, que regula,
exatamente, as hipóteses de dispensa arbitrária.
Sobre a eficácia de tal Convenção no ordenamento interno,
vale lembrar que o direito do trabalho, pós-guerra, seguiu a tendência do
direito previdenciário de expansão e internacionalização, com o objetivo de
diminuir ou minimizar as diferenças sociais e dificultar uma concorrência
econômica entre os países, tendo por base o custo social.
Após o final da 1a. grande guerra (1919 - Tratado de
Versalhes) é criada a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e ao final
da 2a. guerra mundial (1944 - Conferência de Filadélfia) o campo de atuação
da OIT é ampliado, consagrando-se os princípios de que o trabalho não é
mercadoria e de que o progresso econômico, apesar de importante, não é
suficiente para assegurar a justiça social, cabendo aos Estados a imposição
de limites ao poder econômico para fins de preservação da dignidade humana.
A OIT delibera por ato de sua Assembléia Geral, da qual
participam todos os Estados-membros da OIT, os quais se fazem presentes por seus
delegados, que, por sua vez, são representantes de três segmentos sociais (o
governo, os empregados e os empregadores).
A normatização emanada da OIT se concretiza em
recomendações ou convenções. As recomendações são orientações aos
Estados-membros, constituindo metas a serem atingidas. As convenções visam a
criar normas obrigacionais para os Estados-membros, que porventura vierem a
ratificá-las.
Os Estados, portanto, são compelidos a vincularem-se à OIT,
em razão de uma política internacional e dela participam, representados pelos
seguimentos diretamente interessados na formação dos instrumentos normativos
de natureza trabalhista que essa instituição produz.
As convenções, para serem obrigatórias no território
nacional, dependem de ratificação. No Brasil, a ratificação se dá por ato
conjunto do chefe do Poder Executivo e do Congresso Nacional. Com efeito, a
competência do Presidente da República para celebrar tratados fica sujeita a
referendo do Congresso Nacional (art. 84, VIII, CF), sendo de competência
exclusiva do Congresso Nacional "resolver definitivamente sobre tratados,
acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos
ao patrimônio nacional" (art. 49, I, CF).
As convenções da OIT, após ratificadas, precisam ser
depositadas na RIT (Repartição Internacional do Trabalho, da OIT) e doze meses
após o depósito da ratificação, a convenção entra em vigor no
Estado-membro.
Discute-se se a matéria objeto do tratado internacional
precisa ser regulada por norma interna, para que tenha vigência no ordenamento
interno (teoria dualista), ou se os termos do tratado ratificado integram-se,
automaticamente, ao direito interno (teoria monista). Segundo Arnaldo
Süssekind, "o Brasil adota a concepção monista. Esse entendimento
resulta da circunstância de não poder o Poder Executivo ratificar o diploma
internacional sem que ele haja sido aprovado, por Decreto Legislativo, pelo
Congresso Nacional. Outrossim, o art. 5º. da Constituição de 1988,
que relaciona os direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivas,
prescreve no seu § 2º. que eles não excluem os decorrentes dos
tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Por isso mesmo a própria Carta
Magna possibilita o recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça,
quando a decisão recorrida contrariar tratado ou negar-lhe vigência (ar. 105,
n. III)." [7]
No caso do Brasil, de todo modo, os termos da Convenção
158, ainda que com imperfeições de tradução, foram tornados públicos pelo
Decreto n. 1.855, de 11 de abril de 1996.
Todos os trâmites de validade, portanto, foram cumpridos com
relação à Convenção 158, da OIT: a Convenção foi aprovada pelo Congresso
Nacional, mediante Decreto Legislativo n. 68, de 16 de setembro de 1992; o
depósito da carta de ratificação foi efetuado na RIT (da OIT), em 05 de
janeiro de 1995 e o Decreto de promulgação n. 1.855, foi publicado em 11 de
abril de 1996.
Doze meses após o depósito da ratificação, a Convenção
entra em vigência no ordenamento interno. Assim, vigente a Convenção 158 da
OIT no Brasil desde 06 de janeiro de 1996. E, mesmo que considerada a
necessidade de sua publicação no âmbito interno, esta exigência se cumpriu
com a publicação do Decreto n. 1.855, em 11 de abril de 1996.
Nos doze meses decorrentes entre o depósito e a sua entrada
em vigor, a Convenção pode ser alvo de denúncia, isto é, ser obstada a sua
vigência no ordenamento interno. Não sendo assim, a Convenção somente pode
ser alvo de denúncia após dez anos do início de sua vigência, e mesmo assim
durante os 12 meses subseqüentes a cada decênio.
No entanto, o Poder Executivo, mediante o Decreto n. 2.100,
de 20 de dezembro de 1996, publicado em 23 de dezembro de 1996, acatando a
interpretação que se tornou predominante à época no sentido da
inaplicabilidade da Convenção no ordenamento nacional, tornou pública a
denúncia da Convenção, realizada pelo Governo, em carta enviada à OIT, em 20
de novembro de 1996, explicitando que a Convenção 158 deixaria de ter
vigência em nosso ordenamento, a partir de 20 de novembro de 1997.
O problema é que a denúncia produziu efeitos internos
apenas com a publicação do Decreto 2.100, o que se deu em 23 de novembro de
1996 e conforme ensina Cássio de Mesquita Barros Jr. [8], mesmo que
considerada a possibilidade de se efetuar a denúncia, tomando-se como
parâmetro a vigência da Convenção 158 no âmbito internacional, a
Convenção só poderia ter sido denunciada até 22 de novembro de 1996, vez que
a Convenção, adotada pela 68ª. da OIT, em 22 de junho de 1982,
entrou em vigor no âmbito internacional em 23 de novembro de 1985, após
efetivadas duas ratificações junto à OIT, conforme previsto no art. 15.2 da
Convenção. Assim, mesmo considerando-se o prazo dos doze meses subseqüentes
ao decênio de vigência no plano internacional, a denúncia somente poderia ser
efetivada pelo Brasil até 22 de novembro de 1996. Mas, como se viu, o Decreto
de denúncia foi publicado em 23 de novembro, e ainda para produzir
efeitos a partir de 20 de novembro do ano seguinte.
Além disso, não é sequer correta esta interpretação de
que o prazo de dez anos de vigência, para se efetuar a denúncia, conta-se a
partir da vigência da Convenção no âmbito internacional. Conforme ensina
Arnaldo Süssekind [9], o prazo de 10 anos conta-se a partir "de
cada ratificação" e não do prazo de vigência internacional da
Convenção original.
Por fim, dê-se relevo à posição de Márcio Túlio Viana,
que destaca a inconstitucionalidade da denúncia, na medida em que o ato
praticado pelo chefe do Poder Executivo, de denunciar, mediante Decreto, a
Convenção, extrapolou os limites de sua competência, constitucionalmente
fixados. Argumenta Viana: se é o Congresso quem aprova os tratados
internacionais, "como pode o Presidente, por ato isolado,
denunciá-los" [10].
A respeito, adverte José Eduardo de Resende Chave Júnior
[11], que na maioria dos países do mundo o poder de efetuar denúncia de
tratados internacionais é regulado constitucionalmente, extraindo-se do
conjunto das Cartas o princípio da co-participação Executido-Legislativo para
a realização de tal ato. Há normas neste sentido seja nos sistemas
parlamentares como Itália, França, Áustria e Alemanha, seja nos sistemas
presidencialistas, como os EUA, protótipo do presidencialismo.
Apenas nas Constituições da Noruega e de Cuba é que se
atribui tal poder ao chefe do Executivo, lembrando, no entanto, o autor em
questão, que a Constituição da Noruega é de 1814, tempo em que as relações
internacionais eram ainda coisa dos reis sobretudo para tratar de casamentos
reais, e que em Cuba impera ainda a concepção centralizadora de poderes no
chefe do governo.
Lembre-se, a propósito, neste sentido, a previsão do art.
84, da Constituição Federal, que dispõe sobre a competência privativa do
Presidente da República, autorizando-lhe a dispor, mediante decreto, apenas
sobre "organização e funcionamento da administração federal, quando
não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos
públicos; e extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos"
(inciso VI, alíneas "a" e "b") ou expedir decretos para
sancionar, promulgar, fazer publicar leis e seus regulamentos (inciso IV, do
mesmo artigo).
Interessante, a propósito, reparar que todo o Decreto do
Presidente da República, inicia-se com os termos "O Presidente da
República no uso da atribuição que lhe confere o inciso IV, do art. 84 da
Constituição Federal" ou "no uso da atribuição que lhe confere o
inciso VI, (alínea "a" ou "b") do art. 84 da Constituição
Federal", decreta...
Mas, no caso do Decreto 2.100/96, apenas se disse de forma um
tanto quanto marota que O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, tornava
público que "deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de novembro
de 1997, a Convenção da OIT nº 158, relativa ao Término da Relação de
Trabalho por Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em 22 de junho de
1982, visto haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à
Organização Internacional do Trabalho, tendo sido a denúncia registrada, por
esta última, a 20 de novembro de 1996".
A denúncia, portanto, fora ato inconstitucional que,
portanto, não pode surtir o efeito de extrair do ordenamento jurídico a
Convenção em exame.
Mesmo assim, pode-se questionar, mas os termos da Convenção
158 são conformes à Constituição?
Os termos da Convenção são, inegavelmente,
constitucionais. A Constituição brasileira, no artigo 7o, I, como visto acima,
veda a dispensa arbitrária e o que faz a Convenção 158 é exatamente isto,
demonstrando a nítida compatibilidade entre os dois sistemas.
Verdade que a Constituição direciona à Lei Complementar -
que possui quorum qualificado para aprovação - a fixação da
proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa
causa e o texto da Convenção não fora aprovado em Lei complementar.
Entretanto, como dito acima, a inexistência da lei complementar não obsta a
validade do preceito constitucional, que, no caso, destina-se a estabelecer o
princípio de que se deve coibir a despedida arbitrária e que a aplicação,
afinal, de tal princípio independe sequer de uma norma positiva que o regule.
De todo modo, o máximo que uma lei complementar poderia fazer seria regular o
preceito constitucional não impedir sua eficácia. O anseio do constituinte de
impedir a dispensa arbitrária foi, sem sombra de dúvida, manifestado e não
seria uma lei complementar ou a falta dela que poderia, simplesmente, anulá-lo.
Assim, a Convenção 158, estando de acordo com o preceito
constitucional estatuído no artigo 7o., inciso I, complementa-o, não havendo
qualquer validade no argumento de que a ausência de lei complementar, em razão
de seu quorum qualificado, nega a aplicabilidade da Convenção, até
porque a formação de uma Convenção, que se dá no âmbito internacional,
exige muito mais formalismos que uma lei complementar, sendo fruto de um
profundo amadurecimento internacional quanto às matérias por ela tratadas.
Além disso, o parágrafo 2o., do art. 5o., da CF/88,
estabelece que os tratados internacionais - gênero do qual constituem espécies
as Convenções da OIT - são regras complementares às garantias individuais e
coletivas estabelecidas na Constituição.
Acrescente-se, ainda, com especial relevo que a
Constituição Federal de 1988 previu, em seu artigo 4º., que nas
relações internacionais, a República Federativa do Brasil rege-se, dentre
outros princípios, pela noção de prevalência dos direitos humanos (inciso
II).
E, não se pode negar ao direito do trabalho o status de
regulação jurídica pertencente aos direitos humanos. O próprio dado
histórico do direito do trabalho obriga-nos a este reconhecimento. Lembre-se, a
propósito, que não foi à toa que na parte XIII, do Tratado de Versalhes,
foram fixados os principais aspectos que deveriam ser alvo de regulação pelos
países signatários do Trabalho, dentre os quais se situava o Brasil: a)
direito de associação; b) salário digno; c) limitação do trabalho, em oito
horas diárias e 44 semanais; d) descanso semanal remunerado; e) eliminação do
trabalho da criança; f) não- discriminação, apoiando-se no princípio
fundamental de que "o trabalho não deve ser considerado como simples
mercadoria ou artigo de comércio".
Normas de proteção do trabalho, ademais, podem ser
encontradas em praticamente todos os tratados e declarações internacionais de
direitos humanos, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O direito do trabalho, portanto, sob um prisma internacional,
é, inegavelmente, uma face importante, e até mais visível, dos direitos
humanos e mesmo no direito interno isto não passou despercebido: o artigo 1º.,
da CF, consagrou como princípios fundamentais da República, a dignidade da
pessoa humana e o valor social do trabalho; o artigo 3º., preconizou
como um dos objetivos fundamentais da República, promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (inciso IV); o artigo 170 estabeleceu que a ordem econômica
deve ser fundada na valorização do trabalho humano e conforme os ditames da
justiça social. Dê-se especial relevo, ainda, ao fato de que os artigos 7º.
e 8º., que trazem inúmeras normas de natureza trabalhista, estão
inseridos no Título pertinente aos direitos e garantias fundamentais.
Assim, não pode haver dúvida de que quando um instrumento
internacional, ratificado pelo Brasil, traz questão pertinente ao direito do
trabalho, inserido, como visto, na órbita dos direitos humanos, que se deva
aplicar tal instrumento, internamente, tomando-se seus dispositivos como normas
constitucionais (§ 2º., do art. 5º., da CF), ou mesmo,
supranacionais (artigo 4º., II, da CF).
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, permanece entendendo
que os tratados ratificados integram-se ao ordenamento como lei
infraconstitucional. Mas, não há enfrentamento expresso da questão a respeito
de uma norma de tratado ratificado cuidar de matéria que seria pertinente, nos
termos da Constituição, à lei complementar, como se dá na discussão que
gravita em torno do presente caso da Convenção 158.
Mesmo que se adote o posicionamento de que o tratado integra
o ordenamento como norma infraconstitucional, não há obstáculo para que se
regule, por meio do tratado, matéria pertinente à lei complementar,
especialmente, quando esta, após transcorridos longos anos, ainda não foi
concluída, e, sobretudo, quando a lacuna deixada provoca, em concreto, a
ineficácia de preceitos constitucionais consagrados como garantias
fundamentais.
Além disso, importa verificar, com bastante relevo, que o
próprio Supremo Tribunal Federal adota a posição doutrinária, encabeçada
por Celso Ribeiro Bastos [12], no sentido de não haver ordem
hierárquica entre lei complementar e lei ordinária. Neste sentido: RE 146.733;
RE 84.994-SP (RTJ 87/204); e ADin 1-DF (RTJ 156/721) [13].
Ademais, o problema do desrespeito ao direito internacional
do trabalho é agravado quando se lembra que, em 17 de novembro de 1998, foi
assinado o Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção
Interamericana), cuidando dos direitos humanos sob a ótica dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Em tal Protocolo, aliás, foram fixadas,
expressamente, no art. 7º., as bases de um direito do trabalho em
condições justas e eqüitativas, quais sejam:
"a) Remuneração que
assegure, no mínimo, a todos os trabalhadores condições de subsistência
digna e decorosa para eles e para suas famílias e salário eqüitativo e igual
por trabalho igual, sem nenhuma distinção;
b) O direito de todo
trabalhador de seguir sua vocação e de dedicar-se à atividade que melhor
atenda a suas expectativas e a trocar de emprego de acordo com a respectiva
regulamentação nacional;
c) O direito do trabalhador
à promoção ou avanço no trabalho, para o qual serão levadas em conta suas
qualificações, competência, probidade e tempo de serviço;
d) Estabilidade dos
trabalhadores em seus empregos, de acordo com as características das
indústrias e profissões e com as causas de justa separação. Nos casos de
demissão injustificada, o trabalhador terá direito a uma indenização ou à
readmissão no emprego ou a quaisquer outras prestações previstas pela
legislação nacional (grifou-se);
e) Segurança e higiene no
trabalho;
f) Proibição de trabalho
noturno ou em atividades insalubres ou perigosas para os menores de 18 anos e,
em geral. de todo trabalho que possa pôr em perigo sua saúde, segurança ou
moral. Quando se tratar de menores de 16 anos, a jornada de trabalho deverá
subordinar-se às disposições sobre ensino obrigatório e, em nenhum caso,
poderá constituir impedimento à assistência escolar ou limitação para
beneficiar-se da instrução recebida;
g) Limitação razoável
das horas de trabalho, tanto diárias quanto semanais. As jornadas serão de
menor duração quando se tratar de trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos;
h) Repouso: gozo do tempo
livre, férias remuneradas, bem como remuneração nos feriados nacionais."
Aliás, a eficácia interna das normas internacionais de
direitos humanos pode ser vislumbrada até mesmo no que diz respeito aos
princípios que se extraiam do conjunto desses instrumentos, mesmo não
ratificados, como aqueles constantes da Constituição e Convenções da
OIT. Como expresso na Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos
fundamentais (1998), os países membros, mesmo quando não tenham ratificado as
convenções tidas como fundamentais, estão obrigados a respeitar e a realizar,
de boa fé e em conformidade com a Constituição, os princípios concernentes
aos direitos fundamentais.
Embora a Convenção 158, da OIT, não seja uma das
convenções tidas como fundamentais, o fato é que constam da Constituição da
OIT (mais precisamente, na Declaração da Filadélfia, de 1944) os princípios
de que o "o trabalho não é uma mercadoria" (item I, "a") e
de que "uma paz durável só pode ser estabelecida sobre a base da justiça
social" (item II), sendo "obrigação solene" da OIT estimular
nos diversos países do mundo programas próprios a realizar "a plenitude
do emprego e a elevação dos níveis de vida" (item III, "a").
Ora, a proteção contra o desemprego, por meio de um sistema
jurídico que ao menos coíba a arbitrariedade na dispensa de empregado, é o
modo mínimo de se atender aos princípios em questão.
Cada um, pensando na estabilidade no emprego que detém ou
almeja, que conteste essa afirmação!
Assim, não só não há óbice constitucional para a
aplicação da Convenção 158, da OIT, no Brasil, como o respeito às suas
normas e aos princípios que encerra é de se exigir.
Muitos diziam, ainda, que as normas da Convenção 158, da
OIT, não eram auto-aplicáveis, pois que necessitavam de outras normas
regulamentadoras.
Cabe verificar, sob este aspecto, que apenas a "Parte
I" da Convenção 158 (arts. 1o. a 3o.) é conceitual, dispondo sobre
"métodos de aplicação, área de aplicação e definições". A
partir da "Parte II" a Convenção é normativa. Embora se diga
que, geralmente, as normas das Convenções da OIT sejam bastante elásticas,
verdadeiras regras de princípios, para poderem se amoldar aos ordenamentos
peculiares dos diversos Estados-membros e para, assim, poderem obter quorum
para aprovação, o fato é que do teor das normas da Convenção 158, da OIT,
adotada a técnica mais rudimentar da interpretação, ou seja, a gramatical,
que embora não seja auto-suficiente, dela não se pode fugir, não se extrai
qualquer dúvida de conteúdo, no sentido de que ao empregador não é dado
dispensar o empregado senão quando houver uma "causa justificada
relacionada com sua capacidade ou seu comportamento", nos casos de dispensa
individual, ou "baseada nas necessidades de funcionamento da empresa,
estabelecimento ou serviço" ("motivos econômicos, tecnológicos,
estruturais ou análogos"), nos casos de dispensa coletiva, cabendo ao
Tribunal competente, para julgamento de recurso dos empregados dispensados,
examinar "as causas alegadas para justificar o término da relação".
No caso da dispensa individual, a motivação não é
propriamente a de quebra da boa fé do vínculo, como nos casos de justa causa
(art. 482, da CLT), pois basta que o empregado não demonstre aptidão para o
serviço para o qual fora contratado ou apresente comportamento incompatível
com o de uma pessoa integrante de um grupo produtivo, situações que, por si
sós, não seriam aptas a justificar uma dispensa por justa causa.
Nos termos da Convenção 158, a dispensa arbitrária é
proibida, gerando duas situações possíveis, a critério do órgão competente
para julgamento dos motivos da dispensa [14]: a reintegração ou a
condenação ao pagamento de uma indenização.
As normas expressas da Convenção 158 oferecem parâmetro
para delimitar, com precisão, em que se constitui uma dispensa arbitrária e
quais os seus efeitos jurídicos, em perfeita consonância com o que já prevê
o ordenamento jurídico interno, como demonstrado acima.
Assim, mesmo que os preceitos da Convenção 158 precisassem
de regulamentação, já se encontrariam na legislação nacional os parâmetros
dessa "regulamentação".
A Convenção 158, da OIT, não traz às relações de
trabalho uma armadura para retirar do empregador o controle de sua atividade
empresarial, apenas vem, de forma plenamente compatível com nosso ordenamento
jurídico, impedir aquilo que a moral – que muitas vezes coincide com o
direito, lembre-se de Karl Larenz ao cuidar da invalidade do ato jurídico pela
noção de imoralidade – já reclamava: impedir que um empregador dispense seu
empregado por represálias ou simplesmente para contratar outro com salário
menor. No caso de real necessidade para a dispensa, esta, em alguma das
hipóteses mencionadas, está assegurada.
No que tange às dispensas coletivas (de mais de um
empregado, ao mesmo tempo ou em curto espaço de tempo), exige-se, igualmente, a
urgência da aplicação dos parâmetros fixados na Convenção 158.
Nos termos da Convenção 158, para a dispensa coletiva de
empregados necessária a fundamentação em "necessidade de funcionamento
da empresa, estabelecimento ou serviço", "por motivos econômicos,
tecnológicos, estruturais ou análogos". Quanto ao modo de apuração ou
análise dos motivos alegados não há, igualmente, problemas de eficácia,
valendo como parâmetro legal a regra e as interpretações doutrinárias e
jurisprudenciais já dadas ao artigo 165 da CLT.
Verdade que a Convenção 158 prevê, para a dispensa
coletiva, uma discussão prévia dos motivos com "os representantes dos
trabalhadores interessados", o que na legislação brasileira não encontra
similar, muito embora não se possa negar aos sindicatos essa condição. De
qualquer modo, não se deve exacerbar a importância desse preceito. Trata-se de
uma norma procedimental que em nada afeta o conceito material estabelecido, qual
seja, o de que as dispensas coletivas devem ter fundamentos econômicos,
tecnológicos, estruturais ou análogos, para que possam, concretamente, ser
avaliados pelo Poder Judiciário.
As dispensas coletivas, ademais, não possuem amparo no
ordenamento jurídico também por outros motivos, talvez ainda mais relevantes.
O Estado brasileiro é um Estado democrático de direito e
seu objetivo primordial é promover a justiça social e o bem-estar de todos. A
dispensa coletiva de trabalhadores, sem qualquer motivação ou comprovação de
boa fé dos motivos alegados, muitas vezes baseada em balanços fraudulentos,
não correspondendo, pois, a uma necessidade econômica e não se efetivando com
uma necessária ampla discussão prévia entre os seus interlocutores diretos,
da qual participem as instituições públicas locais e nacionais, demonstra-se,
flagrantemente, como simples e torpe pressão de natureza econômica, uma
represália do econômico sobre o social.
Uma empresa que aja de tal modo extrapola aquilo que se
convencionou chamar de "direito potestativo" do empregador de cessar
as relações de trabalho e ingressa no campo do abuso do direito, arranhando a
ordem jurídica, atingindo a dignidade da pessoa humana dos trabalhadores (que
se trata de um princípio fundamental da República Federativa do Brasil,
inscrito no artigo 1º de nossa Constituição) e, porque não dizer,
ferindo o próprio objetivo primordial do Estado da construção do bem comum.
Trata-se, portanto, de um atentado à cidadania e ao Estado democrático de
direito.
A noção de que os contratos devem ser baseados em clima de
boa-fé atinge, igualmente, a esfera coletiva do direito do trabalho. Com apoio
nesta noção jurídica, expressamente acatada pelo Código, pode-se
desconsiderar a validade de cláusulas de contratos coletivos de trabalho que
signifiquem meramente redução de direitos e que foram fruto de uma
"negociação" feita sob a ameaça do desemprego (sem
qualquer apresentação de documentos que comprovem, satisfatoriamente, a
necessidade econômica da empresa, para pleitear a redução). Ora, uma
negociação de boa-fé exige troca de informações, que se demonstrem,
inequivocamente, em dados reais, para que o ato jurídico que dela resulta não
se concretize sob o manto das ameaças, ainda mais quando de um lado está o
poder econômico e de outro pessoas (mesmo representadas) que dependem do
trabalho para sobreviver.
A constante ameaça do desemprego, sem um contraponto efetivo
do direito, representa, ademais, a possibilidade concreta de considerar
possível agredir a ordem jurídica e à própria nação brasileira,
impunemente. Mas, esta situação tende a ser alterada. A respeito, vide a
recente declaração do Ministro Francisco Fausto, contrapondo-se à ameaça do
Presidente da Volkswagen de dispensar os trabalhadores que fizessem greve:
"Greve é um direito constitucional. Esse tipo de ameaça é um desvio de
poder, pois a empresa estaria exercendo o direito de dispensa de maneira
inadequada", afirmando que: "O mais provável é que a categoria leve
o assunto ao tribunal em dissídio coletivo. Nesse caso, o tribunal poderá
conceder estabilidade provisória para esses funcionários usando como
fundamento legítimo as próprias declarações do presidente da empresa"
(Folha de São Paulo, ed. de 24 de setembro de 2003, p. B-2).
Frise-se, por oportuno, que, por exemplo, na França (já que
virou costume falar do que acontece em outros países, que alguém chama de
países "civilizados" e de "primeiro mundo", como se
fôssemos trogloditas [15]), antes de se concretizar uma dispensa
coletiva de trabalhadores a empresa deve formalizar um "Plano Social",
no qual se demonstrem quais as medidas que ela pretende tomar para evitar as
dispensas, possibilitando, inclusive, uma reclassificação dos trabalhadores
cuja dispensa não se conseguir evitar (art. L. 321-4, al. 8, Code du Travail).
O ordenamento jurídico internacional, aliás, está repleto
de exemplos para se adotar como parâmetro regulatório para estas hipóteses (e
o direito comparado é fonte do direito do trabalho, conforme dispõe o art. 8º.
da CLT).
A construção de parâmetros para regular a dispensa
coletiva por ato da jurisprudência, tomando por base todos estes dispositivos e
os princípios jurídicos, especialmente, o do abuso do direito, é plenamente
possível, diria até mesmo, necessária.
Conclusivamente: a dispensa imotivada de trabalhadores, em um
mundo marcado por altas taxas de desemprego, que favorece, portanto, o império
da "lei da oferta e da procura" e que impõe, certamente, aos
trabalhadores condições de trabalho subumanas e diminuição de suas garantias
e salários, agride a consciência ética que se deve ter para com a dignidade
do trabalhador e, por isso, deve ser, eficazmente, inibida pelo ordenamento
jurídico. Não é possível acomodar-se com uma situação reconhecidamente
injusta, argumentando que "infelizmente" o direito não a reprime,
ainda mais quando, como demonstrado, o próprio direito positivo (internacional
e interno) possui normas eficazes para uma tal realização, bastando que se
queira aplicá-las. Devemos aprender a utilizar as virtudes do direito no
sentido da correção das injustiças, até porque uma sociedade somente pode se
constituir com base em uma normatividade jurídica se esta fornecer instrumentos
eficazes para que as injustiças não se legitimem. Do contrário, não haveria
do que se orgulhar ao dizer que vivemos em um "Estado democrático de
direito".
Notas
1. Derecho Civil – parte general. Tradução e notas
de Miguel Izquierdo y Macías-Picaveva. Editorial Revista de Derecho Privado,
Editoriales de Derecho Reunidas.
2. Larenz, ob. cit., p. 297.
3. Larenz, ob. cit., p. 298.
4. Larenz, ob. cit., p. 300.
5. "A estabilidade provisória é mera garantia de
salários e não autoriza a reintegração." - TST RR 6869/88.3 - Ac. 4a.
T. 2220/92, de 14/10/92 - Rel. Min. Marcelo Pimentel, "in" Revista LTr
57-04/495.
6. Vide, Süssekind, Arnaldo, LTr 60-03/333 e Martins,
Nei Frederico Cano, "Estabilidade provisória no emprego", São Paulo,
LTr, 1995, pp. 29/35.
7. Curso de Direito do Trabalho, Renovar, Rio de
Janeiro, 2002, pp. 72-73.
8. "A convenção n. 158 - proteção contra a
despedida injustificada", Trabalho & Doutrina, dezembro de 1996, p. 12.
9. "Convenções da OIT", LTr., 1994, p. 39
10. O que há de novo em direito do trabalho, São
Paulo, LTr, 1997, pp. 128-9.
11. "La denuncia de tratados intenacionales de
derechos humanos", in http://www.juizesfree.hpg.ig.com.br.
12. Dicionário de direito constitucional. São Paulo,
Saraiva, 1994, pp. 99-100.
13. A propósito, vide, José Antonio Francisco,
"A questão da hierarquia entre lei complementar e ordinária no direito
tributário, in http://bully.sites.uol.com.br/monografias/hierarquia.htm e Ivani Silva da Luz, "Lei complementar e lei ordinária", in
http://www.neofito.com.br/artigos/art01/const39.htm.
14. No caso do Brasil, a Justiça do Trabalho.
15. Embora sob o prisma da dispensa coletiva isto até
pareça correto afirmar.