Portaria da Prefeitura de SP exige avaliação de equipe multidisciplinar antes de prescrição
Fabiana Grillo, do R7
A restrição ao uso de ritalina (nome comercial do metilfenidato) para
tratar TDAH (Déficit de Atenção e Hiperatividade) em crianças na rede
pública de São Paulo fomentou uma grande discussão entre a classe
médica. A portaria 986/2014, publicada em junho pela Secretaria
Municipal de Saúde de São Paulo, exige uma avaliação mais ampla do caso
de pacientes antes de se optar pelo tratamento medicamentoso.
A ritalina é usada para aumentar a atenção, concentração e foco dos
portadores da doença que têm dificuldades para iniciar tarefas,
problemas com organização, planejamento ou mesmo memória a curto prazo.
Segundo a norma, "o tratamento medicamentoso deve ser considerado
somente depois do levantamento detalhado da história da criança ou jovem
e avaliação por equipe multidisciplinar em Centros de Atenção
Psicossocial (CAPs) Infantil ou serviços com vínculo com o SUS,
combinado com intervenções terapêuticas de natureza psicossocial e de
educação”.
Para os especialistas ouvidos pelo
R7, a medida é
considerada injusta e prejudica a população mais carente. O presidente
da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), Antônio Geraldo da Silva,
critica a necessidade de submeter o paciente a uma equipe
multidisciplinar, invalidando a decisão médica.
— Isso é um patrulhamento do nosso trabalho. É censura à prescrição e
um processo ideológico. Se há excesso no uso de ritalina não é problema
médico, mas policial e de vigilância sanitária.
Como profissional e mãe de uma jovem com o transtorno de atenção, a
psicóloga e psicoterapeuta Iane Kestelman, presidente da ABDA
(Associação Brasileira de Déficit de Atenção), concorda que a prescrição
deve ser médica, mas o tratamento multidisciplinar.
— O diagnóstico e a prescrição do medicamento cabem ao médico. É
incompreensível que ele perca essa autonomia. É verdade que o tratamento
deve envolver profissionais de outras áreas, mas a maioria desconhece
TDAH e não há nenhuma iniciativa para sua capacitação.
A psiquiatra Ivete Gattás, especialista em psicoterapia infantil pelo
Grupo de Estudos de Psiquiatria, Psicologia e Psicoterapia da Infância
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), também é contrária à
portaria e a considera “total retrocesso”.
— A medida vai dificultar o acesso de quem já está sendo tratado e se
beneficia com a medicação. Além disso, vale ressaltar que a ritalina é a
primeira alternativa medicamentosa reconhecida mundialmente para tratar
TDAH.
A presidente da ABDA lembra que a falta de tratamento pode desencadear
consequências psicológicas graves, como “baixa autoestima, depressão,
abuso de drogas, exclusão social e ansiedade”.
— Estamos abandonados pelo poder público. Penalizar as pessoas com TDAH
é um absurdo, já que elas não são amparadas por nenhuma política
pública.
Embora o transtorno de atenção esteja presente em 5% da população
infantil, a psiquiatra da Unifesp avisa que a maioria dos casos não é
diagnosticado e poucos são tratados.
— Não há exame para detectar TDAH, por isso o diagnóstico é difícil e
se baseia em avaliação clínica. Os profissionais precisam ser bem
orientados e capacitados para lidar com esses pacientes e não é o que
acontece.
O outro lado
Para José Ruben de Alcântara Bonfim, um dos redatores da medida e
médico da assistência farmacêutica da Secretaria Municipal da Saúde de
São Paulo, a portaria não é restritiva, pelo contrário, “melhora uma
regulamentação adotada anteriormente, em 2007”.
— Em sete anos, muita água rolou. Há muitas discussões sobre TDAH,
principalmente se é uma doença. Em primeiro lugar está a segurança do
paciente. Qualquer remédio só deve ser indicado quando os benefícios
ultrapassam os riscos.
Bonfim acrescenta que “para elaborar o novo texto foram consultadas
bibliografias consistentes, que inclusive mostram que a medicação causa
dependência química”.
— Nada saiu de forma espontânea de algumas cabeças. Além disso, vale
lembrar que os melhores serviços de assistência terapêutica do mundo
aplicam critérios cada vez mais rigorosos para diagnosticar o
transtorno. Os médicos não podem achar que têm poder exclusivo de
diagnóstico.
Na opinião de Bonfim, a decisão de prescrever o medicamento deve ser
compartilhada por uma equipe de saúde mental composta por neurologista,
psiquiatra, psicólogo, fonoaudiólogo, entre outros.
O presidente da ABP rebate a afirmação e ressalta que “a própria
prefeitura não tem equipe multidisciplinar suficiente para atender toda a
população”. Além disso, Ivete garante que a medicação não traz riscos à
saúde do paciente.
— Quadros psicóticos e dependência são efeitos colaterais raríssimos.
Em longo prazo, a criança pode apresentar alteração do crescimento. Já
em curto prazo, alguns desconfortos provenientes da medicação, como dor
de cabeça, diminuição do apetite e prejuízo do sono, melhoram ao longo
do tempo de uso.
Sobre a medida poder contribuir para a redução de gastos da Prefeitura
com a medicação, Bonfim garante que a afirmação não tem o menor sentido.
— Um comprimido de metilfenidato custa R$ 0,70, há remédios muito mais
caros. A compra do remédio é feita pela própria prefeitura e não pelos
governos do estado ou federal.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que “a medida não é
destinada a diminuir custos com a compra do medicamento, mas sim, seguir
o fundamento científico da prescrição".
Ainda segundo o órgão, “são distribuídos anualmente 700 mil unidades do
comprimido e não há falta do medicamento nas farmácias de referência da
rede municipal da saúde”.
TDAH: um difícil diagnóstico
Ao lado da conhecida dislexia (dificuldade na leitura e escrita), o
TDAH é um dos principais transtornos ligados à aprendizagem. A doença é
baseada em três itens principais: desatenção, hiperatividade e
impulsividade, e costuma ser mais evidente em meninos do que meninas.
Diferentemente de muitas doenças neurológicas, o TDAH conta apenas com
um questionário de 18 perguntas recomendado pela Associação Americana de
Psiquiatria para ser diagnosticado. Para saber se a criança tem TDAH é
preciso que os pais fiquem atentos aos seguintes pontos: se seu filho
está atrapalhando a aula, se vai mal na escola, se sempre desafia ou
enfrenta mais velhos e autoridades, se é uma criança difícil de lidar.
Nos adultos, pode haver dificuldade de concentração em palestras, aulas
ou leitura, desatenção, relutância em iniciar tarefas que exigem longo
esforço mental, problemas com organização, planejamento ou mesmo memória
a curto prazo (marcada pela perda ou esquecimento de objetos, nomes,
prazos, datas). Além disso, pode vir associado a outras doenças como
depressão, transtorno de ansiedade ou distúrbio alimentar.
Uma vez confirmada a existência da doença, no entanto, é importante
recorrer a um tratamento multidisciplinar, assessorado por médicos,
psicoterapia, orientação aos pais e professores. Quando há necessidade
do uso de medicamento — em geral a ritalina —, este deve ser prescrito
com bastante critério.
Quando mal administrado, o remédio pode causar alucinação, depressão,
convulsão, insônia, confusão mental, levar à perda de peso e atrapalhar o
crescimento. A própria bula do remédio indica que ele não deve ser
utilizado em crianças menores de seis anos.
Fonte:
R7