SÃO PAULO – Se a indústria farmacêutica não investir em antibióticos, em duas décadas a expectativa de vida mundial pode cair para menos de 40 anos.
O alerta é dado pela Dra. Ada Yonath, uma das vencedoras do prêmio Nobel de Química em 2009 e pesquisadora do Instituto Weizmann de Ciências, em Israel.
Ao lado de Venkatraman Ramakrishnan e Thomas Steitz, dos Estados Unidos, a israelense ganhou o troféu graças à técnica que permitiu compreender exatamente como atua o ribossomo, a estrutura responsável por produzir proteínas dentro das células a partir das instruções contidas no DNA.
A técnica chamada de cristolografia de raios-X permitiu desvendar como o RNA (metade do DNA) é lido pelas células e, mais do que isso, abriu portas para o desenvolvimento de novos antibióticos. Isso porque o trabalho de Ada é feito apenas com bactérias – e a maioria dos medicamentos que as combatem ataca justamente essa pequena organela chamada ribossomo
Além de criticar a indústria farmacêutica, Ada fala sobre mutações e faz um importante alerta: o problema dos antibióticos está em seu uso puro e simples. Se você se preocupou com as mais de 20 mortes causadas pelas superbactéria KPC no Brasil nos últimos meses, vai se assustar ao saber que o futuro é ainda mais tenebroso.
Confira os destaques de sua entrevista concedida à INFO Online no clube A Hebraica, em São Paulo.
Proteínas
Quase tudo em nosso corpo são proteínas. A digestão, a hemoglobina, o sistema imunológico, visão, audição, cabelo, pele... Tudo são proteínas. Elas devem ser feitas de acordo com as necessidades da célula, e as instruções de como elas são feitas estão no código genético. O Ribossomo é como uma fábrica de carros: existem as instruções e as peças; ele junta tudo e, ao invés de sair um veículo, sai uma proteína.
Antibióticos
Já que as proteínas fazem quase tudo no corpo, se não existe mais sua produção, a célula irá morrer. No caso de doenças causadas por bactérias, doenças infecciosas, como pneumonia e tuberculose, a ideia é interromper a vida da bactéria - e metade dos antibióticos faz isso parando seu ribossomo. Eles se ligam à sua estrutura e não o deixam funcionar. A fábrica para. Sem proteína, não há vida. Isso é uma coisa que se sabe há muito tempo, mas como isso acontecia, não. Agora, depois de minha pesquisa, entendemos como acontece e podemos fazer antibióticos melhores e lutar contra a resistência, que é um grande problema...
Soube que agora no Brasil é preciso de receita medica para comprar antibiótico. Por que isso? Vocês se automedicam, eu soube... Mas qual é o problema? Já é muito tarde para essa proibição. Não completamente tarde, mas tarde. O uso de antibióticos sempre será o meio de se criar resistência porque as bactérias querem viver, não só nós. Ela faz mutações, ou encontra maneiras de manter algumas de suas partes apesar do medicamento. Isso sempre vai existir enquanto usarmos os antibióticos – independentemente de os médicos fazerem receitas. É claro que depende de algumas coisas... Mas o abuso do uso de antibióticos, não só quando as pessoas se auto medicam, mas no geral, é um problema universal.
Mutações
Algumas bactérias crescem em 10 minutos. Em 10 minutos já há uma nova geração. A maioria é em poucas horas, 3 horas, 6 horas, 8 horas. Vamos pegar a mais devagar: ela faz três gerações por dia. Em três anos, temos, somente nesta linhagem de bactéria, quase como toda a nossa evolução... Elas se reproduzem muito rápido e podem fazer zilhões de mutações. Aquela que sobrevive é a que vemos. E isso funciona pela sorte: é a sobrevivência do mais apto. Não vemos os fracassos.
Ataque às bactérias
Agora que sabemos como funciona o mecanismo de quase todos os antibióticos que atacam o ribossomo da bactéria, podemos ter novas idéias... Os medicamentos atacam uma parte ativa do material genético do ribossomo – eles precisam atacar estas partes específicas, ou então não funcionam. Antibióticos são pequenos, e é como uma luta entre Davi e Golias: é preciso mirar no alvo certo. É esse o benefício da pesquisa: ter ideias de locais que não sofram mutações tão importantes e que os antibióticos possam se ligar. Também podemos fazer, como já estamos fazendo agora, pares de antibióticos no qual um ajude o outro, atacando muitos pontos diferentes. Isso significa que levará mais tempo até termos uma mutação na qual nenhum deles funcione. Mas isso não resolve o problema, apenas ajuda.
Parecidas com humanos
A parte ativa dos ribossomos é similar em bactérias e humanos. Similar, não idêntica. Se forem idênticas, temos um problema: quando o antibiótico mirar justamente essa parte, além de matar as células da bactéria, vai matar as células da pessoa também. Algumas vezes a diferença entre bactérias e humanos é muito pequena. Se as bactérias fizerem mutações e acabarem se aproximando do ser humano, haverá resistência. Isso já está acontecendo... Mas é apenas uma das mutações de resistência. Existem muitas outras.
Nós, dos laboratórios, podemos dar as informações para as empresas. Se elas querem usar, aí... Pergunte a elas, mas não estão muito interessadas. Elas querem dinheiro. E sabe quanto custa um medicamento de colesterol, de diabetes, que você toma dos 50 aos 90 anos todos os dias da vida? É muito mais lucrativo do que um remédio para uma infecção de cinco dias ou um mês. Primeiro, vende mais e, segundo, as pessoas que têm as chamadas doenças da idade pagam qualquer coisa para sair disso. Já a maioria das pessoas que têm infecções vem de países mais pobres, com menos condições de higiene. As empresas não ganham muito dinheiro com antibióticos e elas sabem o mesmo que eu: que a resistência das bactérias sempre virá e que, cedo ou tarde, seu remédio estará obsoleto e será preciso investir mais dinheiro para fazer outro.
Expectativa de vida da população
O que eu tento dizer às pessoas das indústrias, sempre que encontro com associações internacionais, é que sem antibióticos não haverá mais lucro. Uma coisa que eles adoram mostrar é como a expectativa de vida aumentou muito ao longo das décadas. Aí eu digo: “em breve essas taxas vão voltar a cair. Esses pacientes morrerão quando forem jovens, como era antes da penicilina, dos antibióticos”. E tento influenciá-los mostrando que seus lucros vão cair se não tiverem muitos pacientes de mais idade. E até a metade do século passado, quando os antibióticos começaram, as pessoas morriam cedo, aos 30, por doenças infecciosas porque não havia maneira de tratá-las. Em duas ou três décadas, a não ser que haja novos antibióticos, isso será uma realidade... (
Na década de 40, o brasileiro vivia em média até os 45 anos; hoje, vivemos até os 72. No mundo, os números não são muito diferentes: no início do século 20, a população, quando muito, chegava aos 45 anos. Hoje, já ultrapassa os 67).
Pesquisa
Nosso laboratório ainda é muito ativo. Ainda não sabemos sobre todos os antibióticos, não sabemos como o ribossomo começou, como a vida começou... Quando vemos o ribossomo de uma bactéria moderna, conseguimos identificar ribossomos antigos nele. A idéia é chegar até a primeira coisa que viveu.
Vida após o Nobel
Basicamente, meu trabalho ainda é o mesmo. O que eu faço de diferente agora? Falo com jornalistas. Também estamos lançando um trabalho na PNAS que foi desenvolvido para melhorar antibióticos. É um daqueles pares de que falei, que atuam juntos atacando trechos do ribossomo da bactéria. O Weizmann (Instituto em que trabalha) patenteou a idéia, mas qualquer um pode ler o trabalho – inclusive empresas. É claro que elas devem pagar para usar a idéia.
Empresas
Não tenho vontade de trabalhar em uma empresa. Trabalhei por tantos anos de acordo com minha vontade, não quero trabalhar agora por dinheiro. As empresas fazem boas pesquisas, mas nesse estágio da minha vida faço coisas que não interessam a elas – como essas pesquisas com o princípio da vida. Agora, no início da minha carreira, eu ficaria feliz de ter essa opção...
fonte: http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/nosso-futuro-depende-de-antibioticos-diz-nobel-24012011-31.shl