quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O problema é só o salário?

Na vida, temos que estar preparados para tudo, mas confesso que a situação que vivemos à frente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo tem me deixado intrigado. Creio que ninguém que dirige alguma entidade jamais enfrentou algo assim.

A verdade é que não há do que reclamar da atual gestão do CRF-SP. A entidade está muito bem administrada. Cumpre o orçamento adequadamente, investe em novos projetos, respeita muito o Farmacêutico que paga anuidade com sacrifício, oferecendo um atendimento excelente; cumpre o papel de fiscalizar de forma intensiva e tem promovido inúmeras ações de valorização da profissão perante a sociedade.

Pode-se dizer que nunca a entidade esteve tão bem e que nunca houve tantas ações que coloque o Farmacêutico em evidência.

Mas há uma insatisfação generalizada na nossa classe: salários e condições de trabalho. Por ser a entidade com a qual o Farmacêutico conta e a que está mais presente, sempre em evidência, o CRF-SP acaba cobrado e apontado como responsável por algo que não é da sua alçada e pelo qual não tem responsabilidade. Até pelo contrário, não fosse o CRF-SP, a nossa profissão estaria em condições muito piores.

Vejo-me tendo que dar explicações e me justificar por algo que não tenho como intervir, e isso angustia muito quem tem por princípio a defesa intransigente da profissão, da saúde e do exercício legal e que tem certeza e a consciência de que tudo tem feito nesse sentido.

Temos eleições para o Conselho e pessoas se candidatando. Muitas delas com motivações bem menos nobres do que a defesa da profissão e da saúde, que são os objetivos do CRF, ou de quem quer se candidatar a conselheiro na entidade. Onde está tudo bem e funcionando, quem quer entrar apenas para ocupar as posições por anseio de poder, só pode mesmo tentar criar a insatisfação, e é isso o que algumas pessoas vêm tentando fazer, trazendo um assunto que não tem nada a ver com o CRF, como os salários.
Quando assumi a atual gestão, resolvi incorporar a luta pelos salários e pela dignidade profissional, mesmo sabendo que o nosso papel nessa discussão é muito limitado, mas tem sido a nossa prática, explorar as possibilidades ao limite para alcançar os objetivos.

Para atuar nessa frente, precisamos compreender que esse não é um problema que se resolve num passe de mágica, com uma lei, ou um simples decreto do CRF, como muitos pensam. Diferentemente do que se tem propagado, os baixos salários e a desvalorização geral da nossa profissão são consequência de problemas sobre os quais nem os CRFs, nem qualquer outra entidade farmacêutica, têm responsabilidade ou poder de intervenção direta.

Podemos perceber que essa condição é consequência de um mercado saturado de profissionais vindos de um número excessivo de faculdades. O atual governo federal mantém uma política de ampliar o acesso à educação de nível superior, o que é louvável, mas, para isso, permite a abertura de cursos em todas as áreas de forma acelerada, sem muitas exigências, e sem nenhum estudo sobre a necessidade de determinados profissionais numa região. O próprio "mercado da educação" determina onde, quando e qual curso deseja abrir. Uma vez abertos, não há nenhuma fiscalização sobre a estrutura e qualidade desses cursos. Temos hoje no estado mais de cem cursos de Farmácia, e um excesso de oferta de mão de obra de Farmacêuticos. Dos 50.000 inscritos no CRF-SP, 25.000 são recém-formados ou formados há pouco tempo.

Por outro lado, são 22.000 empresas inscritas no CRF-SP, sendo 18.000 Farmácias e Drogarias. Assim, fica claro que há muito mais profissionais do que a necessidade primária do mercado. Pela lei básica do mercado, a abundância de mão de obra desvaloriza muito os salários.

Some-se a isso, o fato de os comerciantes que empregam a maioria dos Farmacêuticos têm uma visão fechada de que Farmácias e Drogarias são simples estabelecimentos comerciais e de que a exigência de Farmacêuticos não passa de um absurdo sem sentido gerado por uma lei arcaica. Essa visão contribui para piorar a situação, à medida em que esse mercado não busca mão de obra qualificada e não está disposto a valorizar esse profissional. Apenas o mantém para cumprir a lei e evitar as multas impostas pela fiscalização do CRF-SP.

Pior ainda, muitos Farmacêuticos, por falta de opção, aceitam trabalhar por valores até mesmo inferiores ao piso e em condições degradantes, pois a massificação do ensino produz profissionais sem postura adequada e sem a compreensão sobre o seu papel na saúde e na sociedade. Estamos vivendo não só a precarização de salários e de condições do exercício profissional, mas sim, um verdadeiro processo de "banalização" da Farmácia como profissão.

Quando se fala sobre mobilizar a categoria, ou quando se cobra do CRF-SP alguma ação sobre esse problema, quando a suposta oposição diz que vai mudar esse quadro, nunca é dito COMO!

Não há possibilidade de o CRF, por exemplo, organizar uma greve ou outra ação desse tipo, mais aguda, pois somos impedidos legalmente de fazer isso. Também a suposta disposição para se aproximar do Sindicato, é invenção eleitoral, pois isso nós já temos feito, apoiando essa entidade em todas as suas ações.
Não há uma fórmula mágica para reverter esse quadro. As ações contra essa realidade devem ocorrer em várias frentes, a longo prazo e não podem ser executadas apenas pelo CRF-SP. Passam principalmente pela conscientização do profissional sobre a postura correta que deve adotar e da sociedade sobre o papel e a importância do Farmacêutico, pelas ações junto a órgãos federais como MEC e ANVISA e junto ao Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras municipais, no sentido de ampliar a legislação atual. Trabalho demorado e que requer união e esforço de todos.

O CRF-SP tem investido muito em capacitação, informação, atualização, movimentações junto à sociedade para demonstrar a importância do Farmacêutico e ações políticas em todos os níveis.

Mantemos a fiscalização em níveis que fazem com que o profissional continue empregado. Mas nada disso é suficiente para conter a insatisfação dos que querem a solução imediata e mágica e, para aliviar tudo isso, precisam encontrar sempre um responsável ou alguém que supostamente seria omisso na sua tarefa.

Não somos omissos na nossa tarefa de lutar pela profissão e não nos furtamos de lutar em todas as frentes de batalha possíveis para que possamos reverter a situação atual. Para essa luta, temos empregado o melhor de nossas vidas, carreiras, sacrificado momentos preciosos de nossas vidas familiares. Por isso, não aceitarei as críticas que vêm sendo feitas injustamente ao CRF-SP, um orgulho para a profissão Farmacêutica, construído corajosamente ao longo dos anos e que tem sido a principal arma que temos para avançar.

Ponho à prova, sim, a minha capacidade de criar novas ações e desafio os críticos que nos superem, em criatividade e em efetividade as ações que já estamos realizando.

Além da ação das entidades, também é necessária atitude dos profissionais. Temos de manter o que já conquistamos, e, para isso, é necessário um debate sério e honesto cujo objetivo seja o resgate da nossa profissão.

No mais, quem tiver alguma sugestão sobre o que ainda poderíamos fazer nesse sentido, envie-nos. Serão muito apreciadas.

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