Restos de fluoxetina, componente do Prozac, e de anticoncepcionais eliminados pelo ser humano contaminam água e habitat dos animais
A fluoxetina, do antidepressivo Prozac, altera o comportamento reprodutivo de peixes de água doce
(Getty Images)
Resíduos de medicamentos ingeridos pelo homem são eliminados pela urina
e seguem direto para o sistema de esgoto, acabando em rios e lagos. A
ciência já sabe há alguns anos que esse processo de despejo acontece,
mas os levantamentos que tentam precisar as consequências do fenômeno
para a flora e a fauna ainda são recentes. Um estudo apresentado durante
o encontro anual da divisão norte-americana da Sociedade de Toxicologia
Ambiental e Química, na Califórnia, no entanto, conseguiu quantificar
parte dessa influência. De acordo com pesquisadores da Universidade
Wisconsin-Milwaukee, restos de remédios podem alterar o comportamento
natural de peixes de rios. As informações são da revista científica Nature.
Quando tratado, o esgoto consegue eliminar resíduos sólidos e até mesmo
metais pesados, mas é ineficiente para descartar alguns compostos de
remédios. Ecologistas do Great Lakes Water Institute, da Universidade de
Wisconsin-Milwaukee, estudaram, então, os efeitos da concentração de
fluoxetina, o componente do antidepressivo Prozac, em populações de Pimephales promelas,
um peixe encontrado em ambientes de água doce nos Estados Unidos. Em
situações normais, os machos dessa espécie constroem ninhos nos quais as
fêmeas depositam seus ovos. Depois, eles os vigiam para protegê-los de
ameaças externas, como fungos.
Quando a equipe liderada por Rebecca Klaper elevou a fluoxetina da
amostra a níveis comparáveis à concentração mais elevada encontrada na
natureza em ambientes de água doce, o comportamento dos machos começou a
mudar: eles demoravam mais para construir os ninhos. A mudança
comportamental tornou-se ainda mais radical à medida que Klaper simulou
cenários com mais fluoxetina. "Optamos por avaliar a influência em
níveis altos de fluoxetina, e não na média, porque acreditamos que há
diversos outros componentes de drogas nas águas. É possível, então, que a
concentração de químicos esteja muito elevada por um efeito cumulativo
de todos esses componentes", disse Klaper ao site de VEJA.
Ao aumentar em dez vezes os níveis de vestígios de fluoxetina, por
exemplo, os machos se tornaram tão obsessivos a ponto de ignorar as
fêmeas. Em simulações com concentrações ainda mais elevadas, com 100
vezes mais componentes, a reprodução foi totalmente interrompida e os
machos começaram a matar as fêmeas. Segundo a pesquisadora, o estudo é
fundamental para que se avalie quais produtos estão agredindo a fauna
dos rios. "Precisamos saber quais químicos têm as consequências mais
severas e que, portanto, precisam ser removidos via técnicas de
processamento de esgoto."
Queda populacional — Em outro estudo apresentado no
mesmo encontro, pesquisadores da St. Cloud State University, em
Minnesota, mostraram que a presença de um elevado grau de estradiol
(encontrado em pílulas anticoncepcionais) em ambientes de água doce
retarda o reflexo de fuga do Pimephales promelas.
Esse reflexo é importante, já que é utilizado para escapar de predadores.
Para a pesquisa, os cientistas separaram dois grupos de larvas do
peixe. Um deles foi exposto ao estradiol, o outro, não. Em seguida, os
dois grupos foram colocados em um ambiente com a presença de predadores.
Como resultado, 55% das larvas não contaminadas sobreviveram, número
maior do que o observado nas larvas não expostas, de 45%. Apesar da
diferença parecer pequena, os pesquisadores alertaram que o impacto
seria suficiente para causar uma grande redução populacional em peixes
expostos ao estradiol. “Há razão para nos preocuparmos”, diz Dan
Rearick, toxicologista aquático da St. Cloud State University.
Fonte: Veja
-noticia/ciencia/residuo-de-medicamentos-altera-comportamento-de-peixes
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