segunda-feira, 4 de julho de 2011

Memória - Do tempo da ´pharmacia´

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A despeito dos atrativos das grandes redes, farmácias como a Osvaldo Cruz mantêm a tradição dos antigos estabelecimentos do início do século XX
FOTO: MARÍLIA CAMELO

Pesquisadora aborda práticas de cura no início do século XX, em que o farmacêutico buscava inserção no mercado
Fortaleza. Eles são essenciais na produção, controle e orientação para o uso de medicamentos. No Ceará, são 3.174 farmacêuticos em atividade, sendo 2.049 só na Capital. Mas no tempo em que farmácia se escrevia com "ph", os primeiros farmacêuticos encontravam dificuldades para se inserir no mercado. Por volta de 1920, das 20 farmácias existentes em Fortaleza, 12 eram de farmacêuticos e oito pertenciam a práticos de farmácia, profissionais sem formação regular.

No início do século XX, a cidade testemunha uma miscelânea de práticas que transitam entre a ciência e o saber popular para promover a cura do corpo. Uma transição calcada em imprimir em Fortaleza uma imagem de cidade civilizada, em que uma das efígies do moderno era adotar uma maneira científica de orientar a vida, salvaguardada pelo farmacêutico.

"Naquela época, quando uma pessoa ficava doente, o médico era o último recurso. O primeiro contato era com as ervas de uso doméstico, e quando não resolviam o doente ia consultar o farmacêutico. Nas farmácias as pessoas encontravam expedientes das mais diversas matrizes, desde a científica até as de um cariz mais sobrenatural ou ligada aos astros", explica a pesquisadora Aline da Silva Medeiros, que desenvolve pesquisa sobre o tema no doutorado em História da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Legitimação
Até 1916, quando foi fundada a Faculdade de Farmácia e Odontologia do Ceará, os que queriam se tornar farmacêuticos tinham que se deslocar para instituições do Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pará.

Aos poucos a prática ia sendo restringida. A legislação sanitária de 1919 estabeleceu a concessão de novas farmácias apenas para aqueles com formação regular em ciências farmacêuticas. Mas isso não impedia que a concorrência entre farmacêuticos e práticos fosse acirrada.

"As farmácias daquele período eram estabelecimentos científicos, mas também casas comerciais. E às vezes os farmacêuticos não tinham o tino comercial que os práticos, pela experiência acumulada, dominavam. Muitos farmacêuticos migravam para o interior em busca de novos mercados", aponta a historiadora.

Comércio e laboratório
As farmácias de então também contavam com oficinas, onde os remédios eram fabricados de forma artesanal. Plantas e extratos dividiam espaço com químicos elaborados e importados.

"Algumas fórmulas eram difundidas, a pessoa chegava no balcão e pedia água sedativa, por exemplo. Também havia fórmulas criadas por médicos para aquele doente, sob encomenda. E você tinha as especialidades farmacêuticas, remédios importados e que se parecem muito com o gênero de medicamento que se consome hoje".

A historiadora localiza o declínio dessa produção no fim da Segunda Guerra. "Com o desenvolvimento da indústria farmacêutica e os antibióticos, essa produção local não tinha mais como competir com os medicamentos padronizados. E é daí que surgem as farmácias apenas como casa comercial".

FARMACÊUTICO RESPONSÁVEL
Lei é descumprida pelo poder público
A Lei Federal 5.991 obriga a presença do farmacêutico responsável em toda farmácia ou dispensário de medicamentos, seja privado ou do Estado. Mas segundo a presidente do Conselho Regional de Farmácia (CRF-CE), Lúcia Sales, o poder público é responsável por boa parte dos descumprimentos à lei.

Dos 184 municípios cearenses, apenas 42 contam com este profissional nas Células de Assistência Farmacêutica, responsáveis pela aquisição e distribuição de medicamentos para as unidades de saúde. "Isso sem falar de casos de ausência de farmacêuticos em hospitais, postos de saúde, Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que não temos como precisar. No caso dos Caps, isto é mais grave por se tratar de remédios controlados", alerta a presidente.

Por ser uma atividade diferenciada, a presença do farmacêutico é essencial para controlar a distribuição e orientar o consumidor sobre a forma mais segura e eficaz de usar um medicamento. "Apesar de não poder prescrever, o farmacêutico pode indicar interações medicamentosas ou o melhor horário para tomar um remédio".

Em Fortaleza, existe uma demanda de 60 farmacêuticos para que a lei seja cumprida. "Mas temos farmacêutico em todas as farmácias-polo e nos Caps, por conta do tipo de medicamento que ali é distribuído", retruca o gerente da Célula de Assistência Farmacêutica da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), José Antônio Peres. Ele acrescenta que encaminhou no início do ano a demanda para realização de concurso para estes profissionais, mas ainda não há previsão de quando será realizado.

Já o coordenador de Promoção e Proteção à Saúde da Sesa, Manoel Fonseca, garantiu que o Estado cumpre a lei. "Todas as unidades de saúde estaduais em que há farmácia, dispensação ou exames laboratoriais contam com farmacêutico, de acordo com a lei. No caso dos hospitais de grande porte, até com mais de um profissional", afirma.

Fique por dentro 

Tradição e atenção
Aberta em 1932 e ainda em atividade, a Farmácia Osvaldo Cruz se destaca não apenas por manter a arquitetura original. Segundo José Aderson Tavares, o funcionário mais antigo, a farmácia já recebe a terceira geração de clientes fiéis, em busca de medicamentos e das fórmulas fabricadas na parte de manipulação. "Mesmo que o cliente não compre, ele sai daqui bem orientado", afirma. Nos fundos da loja, é possível ver diversos frascos de remédios e antigos equipamentos farmacêuticos.


KAROLINE VIANAREPÓRTER

fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1006094

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