sexta-feira, 26 de abril de 2013

A globalização do setor farmacêutico em Goiás

Diário da Manhã
Salatiel Soares Correia
 
Quando ainda exercia a docência universitária, a matéria que mais me motivava ministrar era Planejamento Estratégico. Tinha por hábito enviar meus alunos para o trabalho de campo nas diversas empresas da capital. No final do semestre, promovíamos um amplo debate, alimentado pelos estudos de caso que as pesquisas dos alunos orientados por este escriba proporcionavam.

Lembro-me de que, em um desses seminários, um grupo de estudantes apresentou um interessante trabalho a respeito de uma importante empresa goiana do setor farmacêutico. Para evitarmos os inconvenientes da exposição pública, chamemos essa empresa – uma rede de farmácias – de X.

A empresa X, tipicamente familiar, funcionava amadoristicamente numa época de elevada inflação. Os donos simplesmente não se entendiam uns com os outros. Inexistia uma estrutura organizacional.

Ferramentas típicas de gestões mais elevadas, como é o caso do Planejamento Estratégico, eram completamente desconsideradas. Enfim, a empresa X era a face mais visível de como eram tocadas as diversas empresas eminentemente goianas numa época em que inexistia a competição: desprofissionalizadas, eram geridas de modo bastante amador.

Com isso, a empresa reagia passivamente e não proativamente. Ou seja: ela era incapaz de prever o que poderia acontecer no seu ambiente externo, para se adequar às mudanças ambientais. Além disso, os donos do empreendimento era turrões no tocante às necessárias mudanças que deveriam ser implementadas para que a empresa pudesse continuar a sobreviver no negócio.  “A coisa sempre funcionou assim. Assim sempre ganhei dinheiro. Não vou mudar.”

No final do semestre, após a exposição do grupo que pesquisou a empresa X, sentenciei: essa empresa está à beira da falência, e o dono nem percebe isso. Passaram-se quinze anos desde que fiz essa previsão, e não deu outra: hoje, a então a poderosa rede de farmácias não passa de um retrato na parede. Seus proprietários estão literalmente falidos.

Os motivos da falência foram vários. Entre os mais importantes, vale ressaltar um: a queda da inflação. A empresa, embora tocada por uma gestão amadora, gerava receitas irreais, advindas da inflação. Com o controle desta, para continuar a sobreviver no negócio, a organização necessitava ter impregnado em sua cultura elevados conceitos de gestão. Conceitos que ela, ao longo de sua existência, desconsiderara. Assim, de uma hora para outra, a estrutura desmoronou como um castelo de areia.

Foi-se embora aquele tempo em que o farmacêutico tinha uma relação íntima com o cliente, a ponto de, sem ser médico, receitar, de cabeça, o remédio para sua doença. Acabou-se o tempo em que as farmácias eram um negócio que passava de pai para filho.  Para se sobreviver neste mundo globalizado, é necessário percepção, agilidade para continuamente mudar e impessoalidade. Uma postura profissional, léguas distante das relações paroquiais que caracterizavam os grupos familiares como os aqui outrora existentes.

Creiam: diversos grupos goianos que, como a empresa X, por anos funcionaram sem levar em conta os conhecimentos de gestão, estão hoje sendo simplesmente engolidos pelos grandes conglomerados farmacêuticos que aportam por aqui. É o preço que pagam por terem, ao longo de sua existência, desprezado os imprescindíveis conhecimentos de administração inerentes às empresas feitas para durar.

(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas e mestre em Planejamento. É autor, entre outros, do livro Goiás, a Globalização e o Futuro)

Fonte: DM

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