quarta-feira, 8 de junho de 2011

Farmacêutico um profissional sem credibilidade?

A reportagem de Cláudia Collucci, publicada no dia 06/02/2009 na Folha de S.Paulo, sobre a conduta de um número considerável de farmácias/farmacêuticos no Estado de São Paulo contribui para evidenciar mais uma faceta da irresponsabilidade que grassa na área da saúde, com a participação expressiva e não ética da indústria da saúde.
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Se você não teve chance de ler a matéria, resgatamos alguns dados relevantes. Cerca de 68% dos farmacêuticos entrevistados, em pesquisa do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), admitem que vendem antibióticos sem prescrição e 15% deles (provavelmente sem ficar vermelhos) relatam que recebem comissões de laboratórios e têm a obrigação de cobrir metas para venda de medicamentos. Ou seja, estão fazendo abertamente o jogo do bandido, atentando contra a saúde e a escolha do cidadão que fica à mercê deste processo nada limpo do "empurra-empurra de remédios".
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Os dados são dramáticos, servem para arrepiar os cabelos de quem acredita nas farmácias e seus profissionais (puxa, há exceções e, pelo que podemos ver, elas devem ser entusiasticamente saudadas!): mais de um terço dos profissionais já substituiu um genérico por um similar (prática condenável). Enfim, o problema é tão grave que deixa de ser um caso apenas de ética ou de saúde, mas de polícia. E aí? Onde estão as algemas?
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Falta fiscalização, falta compromisso público, falta sobretudo, para dizer o mínimo, vergonha na cara.
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Toda reportagem sobre a indústria da saúde no Brasil (isso vale para o mundo inteiro e não vá pensar que temos este privilégio!) mostra que a situação é crítica e que campeia o interesse comercial, empresarial, em detrimento da cidadania, embora muitos laboratórios farmacêuticos estejam por ai proclamando a sua responsabilidade social de araque (eu sei, há exceções, sempre há!). Podemos revelar outros exemplos recentes, já publicados pelos jornais, e portanto não estou aqui inventando a roda de novo. 
 
Na prática, o que temos assistido são medidas cosméticas ( não dá para usar band-aid ou merthiolate, porque a solução exigi bisturi rasgando a carne, será que não percebem?), sem qualquer efeito prático, anunciadas apenas para acalmar a torcida, que anda furiosa com laboratórios, planos de saúde (que continuam aceitando clientes e mandando que façam consultas e operações no serviço público!) e as mazelas todas a que assistimos nos hospitais, públicos ou privados.
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Não pretendemos aqui, como faz muita gente, demonizar o sistema público de saúde, porque, apesar dos problemas (e são muitos), ele cumpre um papel fundamental nesse país, com tanta gente pobre, desassistida, desprezada pela indústria da saúde que tem apenas compromisso com o bolso dos pacientes. Há médicos menos prestigiados pela mídia, quase anônimos, exercendo com heroísmo o seu trabalho e é injusto, desumano, generalizar para todo o sistema oficial, que tem que arcar com a falta de responsabilidade de laboratórios, hospitais, profissionais de saúde , ou seja com a negligência, omissão, incúria, falta de ética de parcela importante do sistema privado (há exceções, eu sei).
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Tenho insistido nessa tecla há um bom tempo porque basta ser um observador um pouco mais atento para perceber os desvios éticos que vêm sendo cometidos diante dos nossos olhos. Na cidade de Amparo (uma cidade sossegada e pacata do interior de São Paulo), os balconistas da Drogaria Popular, a mais frequentada da cidade, usam abertamente os jalecos fornecidos por laboratórios, sem a preocupação de esconder a influência nefasta. Certamente, nem conseguem perceber o que está por trás desta "doação generosa" e do que significa exibir publicamente esta relação promíscua com vendedores de medicamentos (muitos dos remédios são drogas que não servem para coisa alguma a não ser engordar o lucro de corporações nacionais e multinacionais) e de donos de farmácias.  

Se você tem freqüentado consultórios médicos deve ter percebido também a presença numerosa de representantes comerciais de laboratórios e talvez, como eu, já tenha ficado constrangido em perceber que alguns profissionais da saúde (estou falando de médicos mesmo) os recebem com mais interesse (euforia até) do que o fazem com seus clientes. Segundo o Conselho Regional de Medicina, que anda preocupado com o fato, os brindes, os bônus etc são um problema neste setor e é triste notar que os vendedores de remédios já assediam os futuros médicos dentro dos muros das universidades. Com o nível de alguns cursos que formam profissionais de saúde por aí, não é para se espantar, já que alguns laboratórios e alguns empresários da educação têm o mesmo objetivo: ganhar dinheiro, muito dinheiro.
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É preciso continuar recomendando com vigor a leitura do livro A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, publicado no Brasil pela Editora Record, de autoria de Márcia Angell, uma das mais importantes autoridades do ensino médico nos EUA, corajosa o suficiente para denunciar a pressão e o lobby ilegítimo de fabricantes de medicamentos.
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Precisamos abrir o olho com o crescimento espantoso de pesquisas clínicas em nosso País, com a relação espúria entre laboratórios, profissionais de saúde e empresas de pesquisa de mercado que, combinados, assediam os pacientes para obter deles informações de caráter comercial, sem qualquer controle pelas autoridades. Temos que evitar que organizações suspeitas continuem utilizando pessoas como cobaias médicas (eu sei, há coisas sérias e é necessário separar o joio do trigo!). 
 
Tudo anda muito solto nesse País e é preciso aumentar o rigor da legislação, o peso das punições aos infratores e sobretudo a fiscalização. Também é indispensável aumentar a carga horária para a formação ética nos cursos que formam os nossos profissionais de saúde e uma maior agilidade e compromisso das entidades profissionais e científicas da área da saúde.
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Atenção aos congressos e eventos da área. Veja quem são os patrocinadores e tente investigar o compromisso de quem fala, (muitas palestras e palestrantes têm o suporte refinado de agências de comunicação, assessoria de imprensa, a serviço dos laboratórios e da indústria da saúde em geral). O negócio é, em boa parte dos casos, propaganda disfarçada de ciência, um marketing pesado e que inclui lobby junto a parlamentares e outros procedimentos que só ocorrem debaixo dos lençóis.
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Como sempre - é bom frisar - há exceções, bons exemplos, mas, para não perder o costume (todo jornalista e cidadão investigativos devem agir sempre assim), desconfie, não aceite releases ou vá desarmado a coletivas nessa área. Eu sei, a paparicação é enorme, os brindes generosos, mas, a não ser que você esteja noutra - o que seria uma pena- resista ao assédio, denuncie, qualifique a informação em saúde.
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A imprensa brasileira está dedicando maior espaço e tempo hoje à cobertura da saúde e precisa também investir na qualidade da informação. Caso contrário, o jornalismo em saúde continuará deprimido, doente, esquálido, o que não é bom nem para a imprensa nem para a sociedade.
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É fundamental achar um remédio poderoso para esta cobertura doentia de saúde. 

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