Fabiana Cambricoli | Agência Estado
Que tipo de tratamento podem ter doentes internados em hospitais sem
condições mínimas de higiene, com apenas um terço do número de
profissionais de saúde necessário e em galpões ou salas lotadas e
malcheirosas? Essa é a situação em que vive parte dos 1.070 pacientes
dos hospitais de custódia do Estado de São Paulo, unidades onde pessoas
com transtorno mental que cometeram crimes deveriam receber tratamento
psiquiátrico.
As irregularidades foram encontradas em
fiscalização do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp)
feita entre maio e julho do ano passado em três hospitais de custódia do
Estado: as duas unidades de Franco da Rocha, na Região Metropolitana, e
a de Taubaté, no interior. Os resultados da vistoria deram origem ao
livro Hospital de Custódia: Prisão sem Tratamento, finalizado na semana
passada, ao qual o Estado teve acesso com exclusividade.
Entre
os principais problemas apontados pelo Cremesp estão a péssima
estrutura física e a ausência de um tratamento adequado para os
internos. Na maioria das unidades, a limpeza era quase inexistente.
Havia restos de comida debaixo das camas, quartos com urina e fezes e
cheiro forte de fumaça de cigarro nos ambientes em que os pacientes
dormiam.
"Nenhuma das unidades apresentou laudo da
Vigilância Sanitária nem do Corpo de Bombeiros", conta o psiquiatra
forense Quirino Cordeiro, membro do Cremesp e um dos coordenadores da
fiscalização.
A maioria dos pacientes tinha como único
tratamento a medicação. Faltavam psiquiatras, psicólogos, farmacêuticos e
terapeutas ocupacionais. Uma das unidades visitadas tinha apenas 28 dos
72 profissionais de saúde necessários.
"Na maioria dos
locais, o período da noite fica sem nenhum médico plantonista. Muitas
vezes os agentes de segurança penitenciários fazem o papel de
farmacêutico ou de auxiliar de enfermagem. Não há tratamento
individualizado. O foco acaba sendo o tratamento medicamentoso, até em
doses mais elevadas", afirma Cordeiro.
Prisão perpétua
Segundo
o vice-presidente do Cremesp, o psiquiatra Mauro Aranha de Lima, a
dinâmica encontrada nos hospitais de custódia impede que eles cumpram
sua função: tratar os pacientes e cessar sua periculosidade.
"Esses
pacientes, quando cometeram crimes, estavam doentes, não tiveram dolo
nem culpa e por isso não receberam uma pena, mas, sim, uma medida de
segurança, para que sejam tratados. Só que, sem esse tratamento, o
quadro deles só piora e eles acabam condenados à prisão perpétua, já
que, sendo tratados dessa forma, nunca estarão aptos a retornar ao
convívio social", afirma ele, que também coordenou a fiscalização do
Cremesp.
Os psiquiatras explicam que a situação observada
nesses locais ainda segue a lógica manicomial, em que o doente mental
não tem o tratamento adequado e fica segregado da sociedade. A Lei
Federal 2.216, de 2001, determinou a extinção desse modelo. A partir de
então, o País deveria passar a priorizar um tratamento com foco na
reinserção social do paciente, seja infrator ou não.
"Sabemos
que, com um tratamento adequado, um paciente com quadro psicótico pode
sair da internação em alguns meses, dando seguimento ao tratamento de
forma ambulatorial. Nesses hospitais, há internos que estão lá há
décadas. Ou seja, é uma lógica de prisão e não de saúde", diz Lima. O
próprio Código Penal prevê que o paciente em medida de segurança
permaneça, no mínimo, um ano em hospital, antes de ser avaliado
novamente por um perito.
Tratamento
Ex-paciente
do Hospital de Custódia 2 de Franco da Rocha, um estudante que não pode
ser identificado afirma ter visto seu quadro de dependência química
piorar nos meses em que ficou internado.
A unidade 2 é
destinada a doentes que já estão próximos da desinternação. Muitos já
têm autorização para ficar alguns dias em casa. "Todo mundo voltava com
droga e havia conivência dos funcionários. Era eu voltar de casa ao
hospital para ter recaída. Não existe tratamento." As informações são do
jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: A tarde
Nenhum comentário:
Postar um comentário